quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sobre aclastos e acídios

Sobre aclastos e acídios


Despedir-me-ei do amor, do amor me despirei.

Em disparada quero partir, mas meus pés

resistem à minha imposição


O amor esqueço, todo amor que resta escrevo

em cartas, poemas, testamentos, panfletos...,

E lá os deixo, tão longe

Que nenhum impávido pedido de socorro

Tenha eu que suportar


Esquecer-me-ei as declarações,

As promessas são apenas ensejo,

Falta que faz uma vida sem imposição


Platão faz jantar. Os pratos, as cadeiras estão vazias.

Sobre a mesa ensaiamos peça, nossa peça

E a poesia que nos aclaustra


Do banheiro, este cheiro de merda segue a equilibrar

A balança de nossas vidas - única morte que resta.

Guernica jaz sobre a parede, como eu, empoeirada.


Um dia procurei no mar a imensidão do amor.

Revirei cada concha, cada pedra, cada pedaço de rocha

Mas as conchas estavam vazias, e sob estas pedras

Mais pesadas que os livros do mundo, havia apenas lama e nada


Despedir-me-ei das palavras, abafarei qualquer suplicio.

Despedaçarei espelhos. Suplicarei espaço onde estas asas

Possam voar. Far-me-ei mosca chata e me perderei no ar


E nesse processo louco de humanificação vivo,

Vida amarga e dor dispersa, essa distância infinita.

É que às vezes os sonhos se tornam verdade,

Mas são apenas sonhos e, em verdade,

quanto valem estas Gestalts?!


Duvidamos então que este frio seja ausência

E cremos dissolvermo-nos em solidão.



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 23 de julho de 2009.


sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eterno retorno




Eterno retorno

Este mundo tolo e seus traumas...
O Sol morre, inda é dia! A Lua transtornada transpõe
este humano significado do retorno. Ninguém a nota.
[A noite é um chapéu-coco

Não chore. Toda lágrima é triste ânsia,
e prometestes calado, co’um urro acre de vida
não mais chorar

Todo humano tem seus temores e traumas e tormentos
E ama tudo isso mais que a si mesmo.
Todo homem ouve músicas e se humilha frente ao espelho,
Faz-se humilde às vezes, mera contradição do que o define,
mas bem disfarça.

Traz nas mãos um corpo, mas o corpo é ausência.
Suas mãos são velhas e trêmulas, é artista velho
impossibilitado de pintar o vão. O Mundo é vão.

Picasso sem tela. Debret desiludido. Van Gogh são.

E por mais racional que seja o oficio do ópio, este hospício,
Não há esconderijo suficientemente escuro nessa escuridão.

Ao fim de cada dia, sempre deixo aberta a porta desta casa
pequena e vazia.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, 17 de julho de 2009.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O peso da pena


Foto de © meninazul

O peso da pena


A mesa estava vazia, vazios estavam os copos.

Todas as bocas sorriam e choravam todos os olhos.


Sobre a mesa, lentamente Teresa se despia

Como criança que explora o próprio pudor.

Todos sorriam alegremente e cantavam unívocos

A mesma canção – mas ninguém entendia

E os sorrisos eram todos iguais


Lá fora, sobre a plantação, lagartixas aladas

Anunciam estação. Mas o milharal é de rocha

E o solo é negro e duro e estéril. O sol é ausente.

Somos formigas famintas

E nossos negros buracos orientam multidão


O coletivo inconsciente guia as mãos e as mãos

São fortes e são tantas e se dão, e se vão

Antes que percebamos qualquer ínfima intenção.

Entre a volúpia dos corpos há um espaço

Maior que o maior vão


E aqueles ternos olham Teresa e Teresa nua

Fecha os olhos e se fantasia de Marie Charlet.

Na escuridão de Teresa não há imagem que perfaça o medo.

Não há medo. Não há razão alguma.

Apenas uma lâmpada suspensa do teto.


Escuridão é a negação de toda luz. E a escuridão, Teresa,

É o infinito. Pega tua taça. Beba o infinito.

Dissolva-te nele. Dispersa-te.


Lá fora, as lagartixas voam e os homens marcham

E cantam dingos felizes. Em Boêmia os cemitérios são festa

De convidados nus, enterrados vivos em vala coletiva


Teresa dança. Seu corpo é leve, mas sua cabeça

Pesa mais que o mundo. Sente um desejo

Incontrolável de cair, uma atração pelo declínio

Pelo delírio. Deseja-o como à própria vida

[suas pernas tremem


Zoroaster anuncia o fim dos tempos. O jegue relincha.

Por mais que gritemos, o silêncio é sempre maior

Que qualquer suspiro.



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 16 de julho de 2009.

sábado, 11 de julho de 2009

Ahura Mazda

Ahura Mazda


Você sempre se impressiona com palavras poucas

Com sorrisos bobos, declarações de amor pra vida toda

Você sempre espera que seja para sempre

Sempre acorda exasperada e pede corpo rente


É preciso saber e saber esquecer

É preciso dormir e rezar para que nada dure

Mais que um dia. Olhos atentos

O corpo é sedento, e você, criança tonta,

Ainda acredita que a vida é pra sempre


Mas é preciso um mundo sem Gladiadores

Um mundo sem mapas tatuados em corpos

Um mundo sem bússolas em cada punho

Que estes corpos desejem direção. Mas os caminhos

São apenas caminhos e a vida

É mera terra batida


Nossos heróis estão todos cansados, nós

Estamos todos cansados, nossos ideais foram adestrados

Nossos sonhos são programas de TV, nossos filhos

Não suportam Cruzadas, nosso deus não nos agüenta mais


Nosso Graal foi deturpado. Deus foi corrompido. Nossas

Famílias foram violadas. Nosso idealismo foi estuprado

Mas estamos felizes! O céu é cinza e nosso carro é vermelho


Tudo é ausência e porquês, mas estamos bêbados demais

Para pedir um significado. E nos calamos.

De pés atados, de coração atado,

sonhamos um mundo melhor,

mas o que fazer se Jesus está preso em Guantálamo?!


O Sol é luzinha de natal... Papai Noel parkinsoniano...


Seguimos por milênios num deserto até aqui

Mas nossos pés não deixaram marca alguma pelo chão.

Nosso peito sangra muito e é muito tarde

para fingir que não dói mais



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 11 de julho de 2009.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Pau-brasil



Pau-brasil

Brasil, terra querida
Tens laranjeiras, galhos secos, prostitutas
Quintais – bandeiras
Verdes riquezas a perder de vista

Vedes?
“Estamos no paraíso, bandeirantes!”

É moderno. Madeiras, solos, molas
Cadeiras, carros nobres
Mas o bom brasileiro faz a volta
E deita no chão pisado de esperanças

Tem máquinas, homens
Mulheres, crianças
Tem ossos enterrados no quintal

Mas no teu mundo, Brasil,
Também tem escravos e o escravo
Se veste de palhaço e de cara vermelha
anima festinhas, equilibra bolinhas, no sinal
faz gracinhas – cinqüenta anos em cinco, irmãos!
Limpemos este país com as nossas mãos!


mas envelhecemos, e este país é velho e sem infância
alguma a se lembrar. Nascera velho.
E nossas mãos trêmulas não suportam mais o peso
De nossa consciência tão repleta de vazio,
Esse acre sabor que se desfaz tal algodão doce
Nas ilusões de nossa voluptuosa e ilusória mocidade.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, quinta-feira, 2 de julho de 2009.