quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Carpe diem


Carpe diem


O tempo sempre intrigou o homem. Desde a antiguidade, quando era apenas instrumento de medida das variações do espaço, até os dias e hoje, quando passa a medir a vida, o tempo sofreu várias modificações.

Estas, no entanto, não são apenas físicas. Apesar dos enormes avanços na sua definição e nas teorias que cercas sua origem, a principal mudança foi no seu significado social. Partindo de mero orientador do cultivo, ganhou fundamental importância no inicio do capitalismo, e com este se fundiu, transformando-se em mais um instrumento de trabalho.

Paralelamente a isso, o tempo psicológico também se transformou. Não por simples acaso, mas por um minucioso processo de aculturação, que mudou a idéia de mais-valia ao ponto de esta parecer favorável ao trabalhador. Teoricamente, quanto mais se trabalha, mais renda se tem; esta foi a idéia que levou milhões de pessoas a viverem em função do serviço que executam, desfazendo, dessa forma, os laços afetivos que mantêm coesa a sociedade e que nos caracteriza humanos.

Diante dessa situação, a idéia coletiva de tempo é o bastante; não são mais necessárias teorias mirabolantes, é hora de agir. Providos desse pensamento, várias correntes nasceram e se edificaram, dentre elas a Slow Europe, que visam a um aproveitamento do tempo para uso próprio, não apenas para sustentar a máquina capitalista. Em última análise, é um processo de “reumanização”, ao passo que a valorização das relações humanas é o centro do projeto.

Consoante o que foi dito, nota-se um necessidade pessoal de aceitação do tempo, sem maiores analises; todavia, filósofos e cientistas do mundo inteiro se empenham em seu entendimento. Além disso, e apesar de suas transformações e de seu poder transformador, é fundamental que a humanidade modifique ou se desprenda de certos conceitos capitalistas no sentido de retornar a usufruir com mais constância de sua própria vida.

Manoel Guedes de Almeida

Entre Deus e Nietzche


Entre Deus e Nietzche

Câmeras espalhadas pelo país. Bancos, escolas, praças, nada foge do olhar perseguidor dessas máquinas e do desejo desesperado de contenção da violência. Essa banalização da vida, essa transformação do privado em “Reality Show” coletivo, tem conseqüências calamitosas em longo prazo, tanto para a sociedade quanto para os indivíduos que a constituem.

Isso vai muito além de mera perda de privacidade. Quando, numa Nação, o Estado se torna onipresente e assume um patamar quase divino de observação de tudo e de todos, ele pode coibir e manipular a população, inibindo protestos de quaisquer tipos, e arquitetar a manutenção de minorias privilegiadas no poder. Dessa forma, o homem livre viveria uma crise ideologia de difícil retorno.

E pior: seríamos a transição do animalesco ao robótico, algo que já é fato, segundo alguns filósofos. Crianças cresceriam como atores, nunca desenvolvendo uma personalidade que lhes seja genuinamente própria. Nesse ponto, teremos construído um mundo mais seguro, talvez, mas repleto de seres iguais, como numa linha de produção fordista ou num campo de concentração nazista de corpos uniformizados, sem que lhes sejam permitidos nomes ou desejos individuais.

Submeter-se, pois, ao olhar do homem é instituí-lo de um poder maior do que ele pode suportar, com seus preceitos éticos e morais, por vezes de bases frágeis e facilmente corrompidas. Isso seria dar substrato ao desenvolvimento futuro de terríveis conflitos ideológicos à semelhança da Ditadura Militar brasileira.

Manoel Guedes de Almeida

História, política e desânimo: aqui jaz o Brasil


História, política e desânimo: aqui jaz o Brasil

“É um desrespeito! Eu tenho uma história neste país!”. Estas foram as célebres palavras proferidas pelo Presidente do Senado, quando acusado de corrupção e envolvimento em Atos secretos para a promoção de familiares e amigos. De faro, ele possui uma longa história nesta Nação, o que justifica o presente momento e limita as expectativas para um futuro promissor.

José Sarney foi o primeiro presidente pós – Ditadura Militar. Pode parecer, a princípio, que a posse de um civil seria o rompimento com a repressão e crise registradas durante o governo Militar; não foi o que aconteceu. Sarney foi nomeado vice-presidente por mera articulação política, e assumiu o poder em decorrência da morte do presidente eleito. Após o discurso de posse, governou sob forte crise econômica e social, as quais controlava com repressão disfarçada, fruto de sua origem Arenista.

Sob esse ângulo, fica bastante claro o momento presente. Não seria difícil imaginar o retorno de grandes nomes da corrupção como Fernando Collor (o que já aconteceu), que comumente ameaçaram a democracia e destruíram paulatinamente a credibilidade no estado. Isso só remete à idéia de que a crise atual é a construção continuada de um passado desastroso e vil.

Essa descrença é o que acoberta a impunidade. Apesar da pressão da mídia e dos gritos de protesto que por vezes ecoaram na rua do país, nada foi feito. Com o tempo, as pessoas se esquecem, a mídia muda o foco para outro escândalo ou para a morte de algum famoso, e os novos “caras – pintadas” que tomaram as ruas voltam às suas casas desanimados ao final do dia e lavam seus rostos. E assim se perpetua essa crise trágica em que o país se encontra, na política, na crença, e no ânimo.

Com base nisso, por demais clara fica a situação calamitosa em que este país reside, desde tempos remotos, e que se alastra por todos os pontos que definem as características das pessoas que aqui vivem. Em conseqüência, perde-se aos poucos a idéia de coletividade, o idealismo, o nacionalismo, a esperança até, e com tudo isso se desfaz nossa estrutura de Nação, nossa identidade nacional.

Manoel Guedes de Almeida

domingo, 27 de setembro de 2009

Elegia a Dionísio


Elegia a Dionísio

Dizes que é ateu e tens 10 anos.
Que lera Sartre, Prost, Nietzsche e Flaubert
Que perdera o controle da TV, que odeia a política
Que guia a história dos homens

Dizes querer coragem que oriente o corte
Que oriente o ato, o caminho da morte
- caminho de desprendimento
De desconstrução

És criança e nascera senil.
Rosto com rugas, mãos trêmulas – alzheimer
Criança robótica, criança máquina, criança engrenagem
Nervos, ai fios de eletricidade!

Nascera com o entendimento do mundo
Nascera da cólera
Do córrego, do barquinho de papel
À deriva na enchente
- da razão à deriva na latrina!

Trazes tatuado no corpo a consciência do mundo
Sentes a vida a correr por entre teus dedos...
Tens pouco tempo e por isso corres e corres sempre
A vida é curta demais para qualquer significado
- os filósofos estavam enganados [ou loucos]

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 27 de setembro de 2009.

domingo, 13 de setembro de 2009

Engrenagem


Engrenagem

O tempo veio de inquietação, veio do mais profundo medo.
Veio dos corpos perdidos na morte, na imensidão da morte,
Dos corpos desprovidos de amor...

Veio da mais completa alienação, do titilar das horas
Da engrenagem, da sirene das fábricas; nascera do cansaço,
Da fadiga, da ânsia de morte – da vertigem
Rebentara no Século das Luzes, crescera no seio da Revolução
Tivera a alma lavada a sangue, ouvira quieto gritos de terror
Seguidos do mais tenebroso silêncio
e depois só silêncio
e silêncio.
mais nada...

Viera com a noite, a noite infinita, a noite que nascera do sonho,
Viu homens tantos de joelhos ao chão, de espada largada e elmo na mão
Olhando o céu e pedindo a Deus algum milagre

- mas Deus não viera, e a eles
Fora negada a entrada nos Céus

Viera do medo. Brotou desse chão áspero regado a medo.
Criou galhos, raízes maiores que o mundo;
Com o tempo, dera frutos - saborosos frutos
E deles todos comemos...

E assim semeara o medo no mundo inteiro
E propagara esse tempo sem fim
Esse tempo de putrefação...

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 13 de setembro de 2009.

Dejavù


Dejavù

Saio na rua a vagar, procurando as migalhas
De um passado perdido. Procurando
A esperança que juro ter tido quando criança. Procurando
A inspiração que fizera pulsar meu peito outrora. Procurando
Os sorrisos que perdi na escuridão destas lembranças,
As promessas que esqueci em meio a tantas conversas
Os poemas que fiz a giz no piso das calçadas

Saio devagar rumo a não sei onde
Os caminhos só me levam a outros caminhos
- e são todos iguais

Saio sem pressa... a noite dissolveu a todos,
A cidade embriagou o espírito do homem.
Ando sem pressa... lareira que se desfaz, fogo esparso,
Passado em chamas...
- castelos, cartas, girassóis singelos...
E a vida a palpitar frenética
como quem me chama.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 12 de setembro de 2009.

sábado, 12 de setembro de 2009

À poesia errante


À poesia errante


É por ti, criança, esta unção de água e sal

Com que escrevo

com que dissolvo

Por ti que fazia versos em folhas de bananeiras

Por ti, singela, por ti que amavas sem mistificação


Mas a poesia atroz teu espírito corrompera

Nutrira-te de posicionamento político

De análises inúteis e esperanças vãs

Enchera-te do mundo e pintara a tua face frente ao mal

- Tatuaram marcas de balas no teu corpo


Sobre tu, meu pequenino, criança que vi nascer,

Que pus nos braços, e ninei... pousou tão cedo

A dor humana [dor sem fim...], minha criança...

Pobrezinha... se perdeu sem rumo, sem nome,

- naufrago do mundo

Este vasto mundo mundo mim


Manoel Guedes de Almeida

Teresina-PI, 12 de setembro de 2009.

Isso de viver


Isso de viver

Que a vida é curta, devemos vivê-la logo
que o caminho é longo, devemos seguir depressa
que devo conter a ira que me mantivera vivo
que devo sorrir sempre, que devo dizer adeus
que devo dizer a Deus, que devo sorrir sempre
Que o mundo é sagrado, devemos untá-lo com as próprias mãos
que as mãos são pequenas e não bastam
devemos deixá-lo

Que devemos andar de bonde, que devemos andar depressa
que devemos afagar as flores que sob o Sol murcharam
- que deves ter sonhos...
Que o amor é eterno, que é ânsia que nasce do sono
[que isso tudo seja maior que o desespero - que nos baste

Que não podes ter preguiça
que deves ter casa e carro, sê funcionário público, tê mesa
que não podes amar sem medidas – que não podes viver sem medidas
que tens que regrar até a ultima gota de mel

Que está seguro, que estamos dispersos
Que estamos longe demais pra qualquer afago

Que a vida passa de bonde, que o bonde passa apressado
que a esperança passa, que passa o sonho
o ideal que tivera na infância
Que a pressa se foi no medo
Que o medo se dissolveu no mundo
Que o mundo girou sem ninguém.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 12 de setembro de 2009
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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Noite

Noite



A noite veio devagar e devagar ficou.
Veio em silêncio, sem ato, bandeira ou protesto,
veio amedrontada, muda,
com frio e sem nome,
e ficou, trêmula,
na espera do mundo inteiro amanhecer

veio assim, meio sem saber, sem norte,
assim andou pela história humana e toda parte
assim marchou entre guerreiros e embalsamou
seus sonhos - sussurrou cuidado ao pé do ouvido
sem que notassem.
Veio a esconder as lágrimas nas valas das trincheiras
- nas valas do peito, nas valas da razão
Veio calma e dispersa a diluir a pressa, a dissolver solidão

(...)
Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 11 de setembro de 2009.

domingo, 6 de setembro de 2009

Migratória

Migratória

À Érica Sano e Rodrigo Chain

Falta talvez se fosse mais
que um sonho, solúvel e simples
Mais que fuligem
dispersa no ar

amigos distantes, destino
partido... esse espaço infinito
se expande cada vez mais
do que podemos sonhar
- Não conte as estrelas sozinho, amigo

somos sós - criança só
lar disperso, lar sem nome
cama à deriva no Mar
- Nau do destino, sonhos
raízes fixas no ar...

Queríamos mudar o mundo...,
e mudamos.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 06 de setembro de 2009.