domingo, 20 de dezembro de 2009


A porta semi-aberta

Quando penso na morte
Penso numa criança de olhos profundos
Olhos de cientista velho, bem velho,
Como se seus olhos tivessem vindo primeiro
Como se seus olhos compreendessem o mundo

Criança que senta ao meu lado
E come algodão-doce
Que rola na lama comigo
Que toca a campainha e corre
Criança que sorri, feliz,
Verdadeiramente feliz.

E a porta entreaberta e a música.
E o cachorro que late inquieto.

As luzes que vejo ao longe
Tornam-se mais que humanas
Neon supra-santificado, apocalíptico
Poesia que se desfaz nas águas turvas
- imagem que se esvai

E a quero bem, como a um pai
E me chama filho.

Manoel Guedes de Almeida
Campina Grande – PB, 19 de dezembro de 2009.
O protesto

Flor, dizeis Flor!
Mas sois fezes e pés desnudos
Nestes becos mudos entre o vão
De nossos nomes

Isto, e a flor que dizeis
Nasce ansiolítica, prostrada
Prostituta anciã desdentada
Ideologia hasteada em crucifixo
Bandeira que não balança mais
- a vida é isto, a poesia é isto.

Bandeira cara-de-piano (Ah! Sortilégios!)
Flor e náusea e armas

A náusea mineral que me carbonifica
A acre náusea mineral que me engasga
Pontiaguda náusea estalactite de uma puta
- e o vômito

A náusea mineral que tinge jornais
De fezes e sangue.


Manoel Guedes de Almeida
Campina Grande –PB, 19 de dezembro de 2009.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

“O inferno são os outros”


Necessário para mim o outro também é um mal, mas um mal necessário. É ele que me dá significado ao meu ser. Sou uma consciência livre, mas uma consciência que se descobre livre num mundo repleto de outras consciências também livres. E é aí onde encontramos o tal conflito. O outro me faz ser indefeso perante uma consciência que me julga. Diante do outro sou uma consciência transcendente-transcedida. A transcendência alheia supera minha transcedência. Sou um escravo diante do outro que nos julga.

Na verdade o único limite da liberdade, lembrando que para existir liberdade é necessário os “obstáculos mundanos” numa relação interna Em-Si- e Para-Si, é a liberdade do Outro. Neste conflito, desde que existo já estabeleço um limite à liberdade alheia e ela a minha. Então as relações humanas, num sentido ontológico originário, é a tentativa de cada um possuir a liberdade, neutralizar a liberdade do Outro.

Nesta luta existem duas condutas de posse:

1ª- O projeto de nos apossarmos da liberdade do outro tratando-o como ser que nos transcende;

2ª- O projeto de nos apossarmos da liberdade do outro tratando-o como objeto que transcendemos.

Na primeira, a grosso modo, recorremos a um artifício, que é escondermos o mais possível enquanto liberdade , para escravizar o outro. Tentamos nos fazer do modo como somos vistos pelo outro.

Na segunda procuro fazer do outro um mero objeto, um corpo, um par de olhos, esvaziando-o de todo julgamento que possa ter sobre mim. Corporifico a liberdade do Outro.

Em todos os dois casos estamos fadados ao fracasso.

domingo, 1 de novembro de 2009

JESUS É POP!

Um pouco mais de Sartre



Eu não aconselho absolutamente ninguém a ficar durante três horas com a bunda sentada assistindo Sartre falar sobre política. Eu escolhi fazer porque o acho muito engraçado, então daria no mesmo de assistir a uma comédia com o Adam Sandler.
"Tudo é gratuito: este jardim, este cidade e eu próprio. Quando a gente se dá conta disso, o coração fica pesado e tudo começa a rodar. Fiquei no banco, perplexo, achatado por essa profusão de seres sem origem. Por toda parte, desabrochamentos. Minhas orelhas fervilhavam de existência. Minha própria carne palpitava, pulsava e se abandonava à germinação universal. Era repugnante." Jean-Paul Sartre, em A Náusea.
"Era repugnante." É de um pessimismo hilário. Eu juro que não entendo como as pessoas podem estranhar quando eu digo que Sartre era engraçado. Talvez seja um problema meu mesmo - porque, por exemplo, já dei gargalhadas lendo Virginia Woolf. Notei que acho engraçado quase tudo que considero genial. O que não é uma via de mão dupla, porque não acho genial quase tudo que acho engraçado. Acho raríssimas as coisas geniais - e considero Sartre genial, sim, apesar de contestar praticamente tudo que ele falava.

É sempre necessário procurar entender, antes de tudo, a época. Já ouvi muita gente critica-lo pelo fato de fazer "arte política", etc e tal. Se eu tivesse sido prisioneira na segunda guerra mundial, certamente não escreveria sobre o que eu escrevo hoje. Provavelmente seria ativista, militante, e toda aquela parafernalha. Isso vale para toda a turminha da ditadura militar, que também é alvo fácil dos mimimi mas arte não deve carregar ideologia política mimimimi.
Muito fácil porque ninguém hoje em dia é enviado à campos de concentração, vivemos tempos de uma liberdade enorme onde uma ministra sugere que relaxemos e gozemos e Vanusa resolve cantar sua própria versão do hino nacional com os cornos cheios de comprimido. Vivemos, hoje, num eterno carnaval, eu não sei até que ponto isso é bom ou ruim, eu não sei até que ponto essa liberdade é totalmente benéfica - o fato é que, hoje em dia, falar em "arte política" depois dos quinze anos soa ridículo, sim. Num passado relativamente próximo, não. Escrevemos o que vivemos, o que estamos vendo - mesmo que porventura vistamos nossos personagens com fantasias.
Tirando, então, o fator político na obra de Sartre, há um fator filosófico simplesmente encantador, mesmo quando vai de encontro às minhas verdades atuais ou quando banhado do pessimismo cômico que já citei - "Porque estava sempre lendo para me livrar do tédio. Esse tédio, mais tarde, chamei de existência."
Sartre por ele mesmo não é o documentário mais legal do mundo - é bem verdade que durante certas passagens a vontade é dar com a cabeça na parede - justamente porque o fator político domina 90% do filme.
Há pontos curiosos: é delicioso, por exemplo, ver a relação dele com a gentil, simpática e terna Simone de Beauvoir.
"- Como se ajudam mutuamente no trabalho?
- Basicamente criticando o que o outro escreveu."
O que eu acho bonitinho no relacionamento dos dois - se é que posso usar a palavra bonitinho para descrever - é que eram, visivelmente, farinha do mesmo saco. "Um critica o outro com grande severidade, às vezes até brutalidade." Eu faço idéia. "Às vezes, discutíamos tão alto que Bost, que vinha almoçar conosco, ia embora assustado, dizendo: volto quando estiverem melhor."
"- E em que ele era tão diferente dos outros?
- Acho que era o mais sujo, mal-vestido e talvez o mais feio."

Como sempre um docinho de pessoa e dona da voz mais feia que já ouvi, Simone de Beauvoir participa do documentário com outros quatro ou cinco - o clima pelo menos é de bastante descontração, thanks God, senão seria impossível assistir até o final.
Acredito que vale a pena para historiadores ou aficionados por Sartre. Os apenas admiradores - e neste último grupo eu me encaixo - que conseguirem chegar até o fim, não toparão ver o filme novamente nem sob tortura.


Jean-paul Sartre

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O homem liquefeito


CAPÍTULO 1

A LUZ DISSOLVIDA

....O pica-pau sempre me deu medo. Não um medo vulgar, um medo-nojo, daqueles que se tem por barata no suco, um medo bem mais metafísico, bem mais metafórico.
....Desde criança, sentia certo apreço pelos personagens oprimidos, ou um mínimo de remorso por ver aquela criatura pintada à mão - por uma máquina maior que o mundo, uma máquina que a tudo vigia e molda, uma máquina-sistema psicossomático depreciativa de toda a população – criatura demoníaca, se sobressair nas mais diversas situações, pelos mais diversos meios, sobre todos os outros; e, depois, feliz por ter destruído não só uma vida, mas mudado milhares de personalidades pelo mundo, ter posto na mente de cada criança que nada importa além da esperteza sagaz de quem é indiferente a tudo que não a si próprio.
....Estranhamente, ele me atraia. Assistia a cada episódio com um olhar mais que analítico, um olhar dissolvido, imerso em casa listra azul e vermelha, em casa mancha branca móvel da tela do televisor. Constitui pueril inocência acreditar que se trata apenas de imagens dispersas, perdidas em algum momento insignificante do tempo, perdidas em um ponto qualquer da história. Estamos construindo nossas pinturas e tudo, absolutamente tudo, constitui nossa Caverna; todo o resto é sombras.
....Hoje a sala era silêncio. Todos os imagólogos se calaram por um instante. O vento e a luz se confundiram; era impossível dissociá-los. Era impossível descreve-los. Os pêlos se eriçaram. A ânsia era maior que o desespero. O desespero era apenas teatro, o Grande Teatro. E tudo perdera a importância. A caixa de homúnculos estava há muito calada. O silêncio era muito maior que qualquer esperança.


CONTINUA...



Manoel Guedes de Almeida

Teresina-PI, 26 de outubro de 2009.

domingo, 25 de outubro de 2009

O vaso colorido/Depois do eclipse



O vaso colorido/Depois do eclipse
A Manaira Carvalho

Pensei em fazer poema amigo
Poema com corpo e mãos
Poema que deite comigo nos corredores da vida

Plantar a flor que o poema seja
A metáfora primeira, o grão insolúvel, a indissociável rima
Repetição unissonante de palavras disformes, dissolutas,
Desprovidas de qualquer edifícil
Desnudas de qualquer significado inteligível

Que flor seja mais que flor, mais que a vida
Que flutue por estes versos – que seja mais, muito mais que humana.
Poesia anti-concreta, anti-efêmera, anti-delinear, anticristã.

Acariciar os teus versos suados
............................................as tuas mãos macias
A bem-aventurança da alma dispersa na Luz
...................................................da alma despida
A leveza de quem se desfez do mundo intangível
..................................do mundo repleto de axônios

Poesia-pessoa impalpável. Poesia-rosa anti-leucêmica.
Poesia que sorri e diz estar tudo bem.
Poesia da libertação.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 25 de outubro de 2009.

sábado, 24 de outubro de 2009

As Mãos que sustentaram o mundo


As Mãos que sustentaram o mundo

As Mãos que outrora ergueram o mundo
Já tremem exaustas e vestem luvas
Temem contaminarem-se com os vermes do conhecimento
Tão letais para o que é Saber

As Mãos que outrora ergueram o mundo
Dizem Adeus em silêncio.
Não ousam proferir qualquer palavra
Pois tantas já foram ditas escritas e esquecidas
Nas páginas de livros que seria tolice desperdiçar
Seus últimos dias em vão

As Mãos, aquelas Mãos sem idade,
Agora suam, tremem, e sentem frio
Há rugas sob a pele necrosada e pus que escorre
Em finos fios

Aquelas Mãos velhas que um dia sustentaram a vida
Agora são desnecessárias
Dizem o outdoor e o neon nas avenidas
Há máquinas sustentando máquinas
Chips gerando vida in vitro
E o que fora paterno toque passional
Agora é garra fria de metal INOX

Aquelas Mãos austeras não compreendiam
O Autismo do mundo que criara, mundo que criara o Mundo
Repleto de monstros e fadas, todos asfixiados
- as nuvens são de poluição


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 08 de dezembro de 2007.

Valhacouto



Valhacouto

Meu mundo não são cidades
Como as cidades que brotam destes campos secos
Onde a chuva evapora antes de tocar o chão.

Meu mundo não é de terra rachada ou batida
Não é físico, palpável ou visível
Nem se restringe a essa noção linear
De tempo, espaço e nação.

Meu mundo não é branco, preto ou pardo
Nem tem cheiro, gosto ou tato
Meu mundo não tem sentidos nem rosto
Nem lembranças que sufocam sorrisos,
Ou sorrisos que se desfazem
Perante o maior de todos os mistérios.

Meu Mundo não é mundo... nem é mudo... Encerra em si
A pronúncia de todos os versos transitivos diretos,
Pois é substrato onde o Todo Arquiteto
Equaciona seus maiores milagres.

Não me venhas com tua racionalidade,
Pois não me resta espaço algum a ela!
Sou papel em branco e sem bordas ou arestas
Onde brotam Árvores que não são como as tuas árvores
Sempre secas, sempre mortas,
Que se contorcem no árido da terra
E tentam fugir do inferno do céu

No meu Mundo as raízes são desnecessárias
E não há campos onde rumina o gado
Nem há casas de concreto
Como as tuas casas de concreto
Que sempre podem ruir

Meu Mundo são como as flores que nunca desabrocharam,
Não são como as tuas que já nascem violadas,
Guardam dentre suas pétalas o segredo de todas as coisas.

E minhas crianças também não são como as tuas...
Correm sobre estas superfícies brancas
E olham o céu repleto de vazio,
Que não é como teu céu - sempre cinéreo,
Tampouco como o teu vazio - eterna ausência de coisas,
E brincam sobre a relva molhada
Recém-criada por um Deus
Que também não é como o teu deus,
Que em meio à cintilosas catedrais,
Desiludido,
Se desfaz em chuva ácida.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI

Hypnos e o sagrado coração de Tykhe



Hypnos e o sagrado coração de Tykhe

E guardo-te cá comigo por todo sempre...
E quando ouvires uma música, aquela música, a nossa,
E embalares o corpo no vazio
Estarei lá sorrindo, prometo.
Em todo coração talhado em árvores, existirei.
Em todo beco escuro, protegerei.
Por-te-ei pra dormir e conversarei besteiras
Até que o sonho te leve. Depois, beijar-te-ei.
Não sentirás senão um arrepio leve.
Enxugarei tuas lágrimas sem que tu saibas.
Far-te-ei sorrir sem que percebas.
Sussurrarei idéias ao pé do ouvido
Quando as tuas idéias não se fizerem ouvir.
Olharei todo o teu caminho, até o fim,
E não deixarei pedras que te possam ferir,
Os obstáculos só são úteis quando se pode transpassá-los.
E quando a dor for tão intensa que quiseres fugir,
Repousarei minha mão sobre a tua,
Levar-te-ei o mais distante que eu te possa levar
De tu mesma - feche os olhos e deixe-se levar.
E toda escultura abstrata das nuvens
Será Deus
Trazendo-me de volta ao teu sorriso bobo
Alimentando-me em sonho e fé.
Daquele, sempre acordamos.
Daí a necessidade de dormirmos sempre.
Desta, tal como um padre sem pudor,
Escarro e piso,
Não suporto uma vida inteira
Sem o teu amor.

Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, sábado, 19 de julho de 2008.

Humanificaçao


Humanificaçao

Quero um amor sem metafísica.
Sem desespero. Sem pressa. Sem Ato. Sem medo.
Que reclame, chore. Que clame.
Que seja fiel ao mundo inteiro
- respirar exige grande responsabilidade

Quero amor em pêlos. Sentir o odor do amor
no véu dos teus cabelos. Teus lábios
A tocarem os lábios meus
- depois inda dormir tendo na boca o teu sabor

Que deitemos no chão da cozinha.
Que deitemos na Frei Serafim e contemos os buracos da Lua.
Que cantemos Goethe
E que a Lua seja apenas uma pedra bem grande a flutuar
num imenso pudim


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 23 de outubro de 2009.

Deuses e arco-íris


Deuses e arco-íris

Mamãe preparava feijão com arroz enquanto brincávamos
de fazer chuva e arco-íris no terraço, enquanto ensaiávamos nossos primeiros passos
rumo à imortalidade de quem não se importa

Papai trazia peixe ao final do dia
e o sorriso cansado de quem está diante da vida
e a vida se mostra grande e muito
[estávamos felizes sem compreender o que isso significava

Certa vez chegou mais cedo. Trouxera consigo um cacho de banana verde
que comprimíamos entre nossas coxas finas,
que jogávamos contra a parede

fez avião de talo de buriti. Fez hélice que girava ao sabor do vento.
E a meninada toda, de pés desnudos, de corpo desnudo,
corria na rua a tentar voar
- naquela época o céu parecia mais perto, parecia infinito

Mamãe preparava feijão com arroz – não desses que se come e caga.
Numa velha maquina de costura, tecia nossas roupas – não dessas que se suja e rasga.
Conseguira com muito custo uma tesoura – queria nos tornar humanos
Aprendera o oficio. Sob gritos de protesto
Cortava nossos cabelos ao final do dia

- e íamos todos jantar...


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 24 de outubro de 2009.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Cruz e pijamas



Cruz e pijamas

Estas sombras que enegrecem os céus
não são nuvens
Este húmus com que qualificas o solo
não é húmus
Estas lágrimas com que umedeces o mundo
não são tuas – este filho

este infante que repousara a mão sobre o papel em metáforas embebido
e que a contornara com a indiferença pueril da inocência
deixara nele gravada a rupestre pintura da história mais humana
mas esta criança não é tua – minha também não é

olhara de soslaio, fingira não te ver. Dissera “meu Pai”
e papai emudeceu...

Fora deus pagão. Anjo também fora. Fora infante antes
De findado o círculo pelas suas fadigadas mãos cheias de calos
Fora mais que o cansaço. Quisera ser mais e fora mais que a vida.
Fora a Cruz e o Espinho e a Lança – o Cálice e a Flor
Fora a ordem e o subseqüente – o medo e o imóvel.
A cruz azul no peito.
A espada mais pesada que a Alma
O elmo mais pesado que a Fé.

A vagar pelo deserto... Palmo – a - palmo, uma – a – uma,
Rumo a Terra donde jorra Leite e Mel,
Ao Ventre da terra... Da terra ao ventre
Ao ventre da baleia azul

Nascera c’oa morte de Deus. Nascera para sempre. Sempre.
Para sempre Auschwitz.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 23 de outubro de 2009.

sábado, 17 de outubro de 2009

A linha de crochê



A linha de crochê

Essa dor quase contínua, esse esforço quase infinito, essa ânsia!...
Sobre este banco velho e vazio
Jazem mais esperanças do que cabem no mundo

O amor, essa coisa que a chuva trás dos céus
a correr pelas calhas do telhado,
do titilar das chamas da lareira,
é muito mais que apenas lembranças

mas o tempo é de frio e de dentes cariados
O Sol se foi há muito e já é muito tarde
para pedir perdão.
- o perdão se foi nas chamas,
As chamas se perderam nos sonho, se afogaram nos símbolos,
nos heróis mais que mesquinhos
- a nadificação dos sonhos.


Manoel Guedes de Almeida
Campina Grande - PB

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Carpe diem


Carpe diem


O tempo sempre intrigou o homem. Desde a antiguidade, quando era apenas instrumento de medida das variações do espaço, até os dias e hoje, quando passa a medir a vida, o tempo sofreu várias modificações.

Estas, no entanto, não são apenas físicas. Apesar dos enormes avanços na sua definição e nas teorias que cercas sua origem, a principal mudança foi no seu significado social. Partindo de mero orientador do cultivo, ganhou fundamental importância no inicio do capitalismo, e com este se fundiu, transformando-se em mais um instrumento de trabalho.

Paralelamente a isso, o tempo psicológico também se transformou. Não por simples acaso, mas por um minucioso processo de aculturação, que mudou a idéia de mais-valia ao ponto de esta parecer favorável ao trabalhador. Teoricamente, quanto mais se trabalha, mais renda se tem; esta foi a idéia que levou milhões de pessoas a viverem em função do serviço que executam, desfazendo, dessa forma, os laços afetivos que mantêm coesa a sociedade e que nos caracteriza humanos.

Diante dessa situação, a idéia coletiva de tempo é o bastante; não são mais necessárias teorias mirabolantes, é hora de agir. Providos desse pensamento, várias correntes nasceram e se edificaram, dentre elas a Slow Europe, que visam a um aproveitamento do tempo para uso próprio, não apenas para sustentar a máquina capitalista. Em última análise, é um processo de “reumanização”, ao passo que a valorização das relações humanas é o centro do projeto.

Consoante o que foi dito, nota-se um necessidade pessoal de aceitação do tempo, sem maiores analises; todavia, filósofos e cientistas do mundo inteiro se empenham em seu entendimento. Além disso, e apesar de suas transformações e de seu poder transformador, é fundamental que a humanidade modifique ou se desprenda de certos conceitos capitalistas no sentido de retornar a usufruir com mais constância de sua própria vida.

Manoel Guedes de Almeida

Entre Deus e Nietzche


Entre Deus e Nietzche

Câmeras espalhadas pelo país. Bancos, escolas, praças, nada foge do olhar perseguidor dessas máquinas e do desejo desesperado de contenção da violência. Essa banalização da vida, essa transformação do privado em “Reality Show” coletivo, tem conseqüências calamitosas em longo prazo, tanto para a sociedade quanto para os indivíduos que a constituem.

Isso vai muito além de mera perda de privacidade. Quando, numa Nação, o Estado se torna onipresente e assume um patamar quase divino de observação de tudo e de todos, ele pode coibir e manipular a população, inibindo protestos de quaisquer tipos, e arquitetar a manutenção de minorias privilegiadas no poder. Dessa forma, o homem livre viveria uma crise ideologia de difícil retorno.

E pior: seríamos a transição do animalesco ao robótico, algo que já é fato, segundo alguns filósofos. Crianças cresceriam como atores, nunca desenvolvendo uma personalidade que lhes seja genuinamente própria. Nesse ponto, teremos construído um mundo mais seguro, talvez, mas repleto de seres iguais, como numa linha de produção fordista ou num campo de concentração nazista de corpos uniformizados, sem que lhes sejam permitidos nomes ou desejos individuais.

Submeter-se, pois, ao olhar do homem é instituí-lo de um poder maior do que ele pode suportar, com seus preceitos éticos e morais, por vezes de bases frágeis e facilmente corrompidas. Isso seria dar substrato ao desenvolvimento futuro de terríveis conflitos ideológicos à semelhança da Ditadura Militar brasileira.

Manoel Guedes de Almeida

História, política e desânimo: aqui jaz o Brasil


História, política e desânimo: aqui jaz o Brasil

“É um desrespeito! Eu tenho uma história neste país!”. Estas foram as célebres palavras proferidas pelo Presidente do Senado, quando acusado de corrupção e envolvimento em Atos secretos para a promoção de familiares e amigos. De faro, ele possui uma longa história nesta Nação, o que justifica o presente momento e limita as expectativas para um futuro promissor.

José Sarney foi o primeiro presidente pós – Ditadura Militar. Pode parecer, a princípio, que a posse de um civil seria o rompimento com a repressão e crise registradas durante o governo Militar; não foi o que aconteceu. Sarney foi nomeado vice-presidente por mera articulação política, e assumiu o poder em decorrência da morte do presidente eleito. Após o discurso de posse, governou sob forte crise econômica e social, as quais controlava com repressão disfarçada, fruto de sua origem Arenista.

Sob esse ângulo, fica bastante claro o momento presente. Não seria difícil imaginar o retorno de grandes nomes da corrupção como Fernando Collor (o que já aconteceu), que comumente ameaçaram a democracia e destruíram paulatinamente a credibilidade no estado. Isso só remete à idéia de que a crise atual é a construção continuada de um passado desastroso e vil.

Essa descrença é o que acoberta a impunidade. Apesar da pressão da mídia e dos gritos de protesto que por vezes ecoaram na rua do país, nada foi feito. Com o tempo, as pessoas se esquecem, a mídia muda o foco para outro escândalo ou para a morte de algum famoso, e os novos “caras – pintadas” que tomaram as ruas voltam às suas casas desanimados ao final do dia e lavam seus rostos. E assim se perpetua essa crise trágica em que o país se encontra, na política, na crença, e no ânimo.

Com base nisso, por demais clara fica a situação calamitosa em que este país reside, desde tempos remotos, e que se alastra por todos os pontos que definem as características das pessoas que aqui vivem. Em conseqüência, perde-se aos poucos a idéia de coletividade, o idealismo, o nacionalismo, a esperança até, e com tudo isso se desfaz nossa estrutura de Nação, nossa identidade nacional.

Manoel Guedes de Almeida

domingo, 27 de setembro de 2009

Elegia a Dionísio


Elegia a Dionísio

Dizes que é ateu e tens 10 anos.
Que lera Sartre, Prost, Nietzsche e Flaubert
Que perdera o controle da TV, que odeia a política
Que guia a história dos homens

Dizes querer coragem que oriente o corte
Que oriente o ato, o caminho da morte
- caminho de desprendimento
De desconstrução

És criança e nascera senil.
Rosto com rugas, mãos trêmulas – alzheimer
Criança robótica, criança máquina, criança engrenagem
Nervos, ai fios de eletricidade!

Nascera com o entendimento do mundo
Nascera da cólera
Do córrego, do barquinho de papel
À deriva na enchente
- da razão à deriva na latrina!

Trazes tatuado no corpo a consciência do mundo
Sentes a vida a correr por entre teus dedos...
Tens pouco tempo e por isso corres e corres sempre
A vida é curta demais para qualquer significado
- os filósofos estavam enganados [ou loucos]

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 27 de setembro de 2009.

domingo, 13 de setembro de 2009

Engrenagem


Engrenagem

O tempo veio de inquietação, veio do mais profundo medo.
Veio dos corpos perdidos na morte, na imensidão da morte,
Dos corpos desprovidos de amor...

Veio da mais completa alienação, do titilar das horas
Da engrenagem, da sirene das fábricas; nascera do cansaço,
Da fadiga, da ânsia de morte – da vertigem
Rebentara no Século das Luzes, crescera no seio da Revolução
Tivera a alma lavada a sangue, ouvira quieto gritos de terror
Seguidos do mais tenebroso silêncio
e depois só silêncio
e silêncio.
mais nada...

Viera com a noite, a noite infinita, a noite que nascera do sonho,
Viu homens tantos de joelhos ao chão, de espada largada e elmo na mão
Olhando o céu e pedindo a Deus algum milagre

- mas Deus não viera, e a eles
Fora negada a entrada nos Céus

Viera do medo. Brotou desse chão áspero regado a medo.
Criou galhos, raízes maiores que o mundo;
Com o tempo, dera frutos - saborosos frutos
E deles todos comemos...

E assim semeara o medo no mundo inteiro
E propagara esse tempo sem fim
Esse tempo de putrefação...

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 13 de setembro de 2009.

Dejavù


Dejavù

Saio na rua a vagar, procurando as migalhas
De um passado perdido. Procurando
A esperança que juro ter tido quando criança. Procurando
A inspiração que fizera pulsar meu peito outrora. Procurando
Os sorrisos que perdi na escuridão destas lembranças,
As promessas que esqueci em meio a tantas conversas
Os poemas que fiz a giz no piso das calçadas

Saio devagar rumo a não sei onde
Os caminhos só me levam a outros caminhos
- e são todos iguais

Saio sem pressa... a noite dissolveu a todos,
A cidade embriagou o espírito do homem.
Ando sem pressa... lareira que se desfaz, fogo esparso,
Passado em chamas...
- castelos, cartas, girassóis singelos...
E a vida a palpitar frenética
como quem me chama.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 12 de setembro de 2009.

sábado, 12 de setembro de 2009

À poesia errante


À poesia errante


É por ti, criança, esta unção de água e sal

Com que escrevo

com que dissolvo

Por ti que fazia versos em folhas de bananeiras

Por ti, singela, por ti que amavas sem mistificação


Mas a poesia atroz teu espírito corrompera

Nutrira-te de posicionamento político

De análises inúteis e esperanças vãs

Enchera-te do mundo e pintara a tua face frente ao mal

- Tatuaram marcas de balas no teu corpo


Sobre tu, meu pequenino, criança que vi nascer,

Que pus nos braços, e ninei... pousou tão cedo

A dor humana [dor sem fim...], minha criança...

Pobrezinha... se perdeu sem rumo, sem nome,

- naufrago do mundo

Este vasto mundo mundo mim


Manoel Guedes de Almeida

Teresina-PI, 12 de setembro de 2009.

Isso de viver


Isso de viver

Que a vida é curta, devemos vivê-la logo
que o caminho é longo, devemos seguir depressa
que devo conter a ira que me mantivera vivo
que devo sorrir sempre, que devo dizer adeus
que devo dizer a Deus, que devo sorrir sempre
Que o mundo é sagrado, devemos untá-lo com as próprias mãos
que as mãos são pequenas e não bastam
devemos deixá-lo

Que devemos andar de bonde, que devemos andar depressa
que devemos afagar as flores que sob o Sol murcharam
- que deves ter sonhos...
Que o amor é eterno, que é ânsia que nasce do sono
[que isso tudo seja maior que o desespero - que nos baste

Que não podes ter preguiça
que deves ter casa e carro, sê funcionário público, tê mesa
que não podes amar sem medidas – que não podes viver sem medidas
que tens que regrar até a ultima gota de mel

Que está seguro, que estamos dispersos
Que estamos longe demais pra qualquer afago

Que a vida passa de bonde, que o bonde passa apressado
que a esperança passa, que passa o sonho
o ideal que tivera na infância
Que a pressa se foi no medo
Que o medo se dissolveu no mundo
Que o mundo girou sem ninguém.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 12 de setembro de 2009
.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Noite

Noite



A noite veio devagar e devagar ficou.
Veio em silêncio, sem ato, bandeira ou protesto,
veio amedrontada, muda,
com frio e sem nome,
e ficou, trêmula,
na espera do mundo inteiro amanhecer

veio assim, meio sem saber, sem norte,
assim andou pela história humana e toda parte
assim marchou entre guerreiros e embalsamou
seus sonhos - sussurrou cuidado ao pé do ouvido
sem que notassem.
Veio a esconder as lágrimas nas valas das trincheiras
- nas valas do peito, nas valas da razão
Veio calma e dispersa a diluir a pressa, a dissolver solidão

(...)
Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 11 de setembro de 2009.

domingo, 6 de setembro de 2009

Migratória

Migratória

À Érica Sano e Rodrigo Chain

Falta talvez se fosse mais
que um sonho, solúvel e simples
Mais que fuligem
dispersa no ar

amigos distantes, destino
partido... esse espaço infinito
se expande cada vez mais
do que podemos sonhar
- Não conte as estrelas sozinho, amigo

somos sós - criança só
lar disperso, lar sem nome
cama à deriva no Mar
- Nau do destino, sonhos
raízes fixas no ar...

Queríamos mudar o mundo...,
e mudamos.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 06 de setembro de 2009.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Anacrônica



Anacrônica

É tempo de guerra.
Soltemos as bandeiras. Elas pesam
E entravam o golpe.

É tempo de guerra, não de protestos.
Perdemos muito e é muito tarde,
O inimigo já inspira nossa expiração.

Desenlacemos as mãos, serremos os punhos.
A paz é apenas Estado ilusório e adestramento
- alienação (estou constipado)

Somos formigas cativas por criança tonta.

O mundo é muito pequeno e as idéias são grandes e são
tantas... não há espaço tanto.

Larguemos os livros. Ateemos chamas
Em tudo que possa ascender, cada poema.
[todo apelo

É tempo de re-agir.
Re-escrever a historia toda
Na palma de nossas mãos.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, quarta-feira, 26 de agosto de 2009.

Descampado



Descampado


O amor se foi... o que me resta?!


A esperança se foi, o coração partiu,

Se foi o ânimo, toda ação,

Se foram das bocas os sorrisos dados

sem qualquer explicação.


(...)


Um lugar comum, uma vida comum,

Um lugar qualquer; uma rede,

Quadros na parede, sonhos...

Meninhos no quintal.


Manoel Guedes de Almeida

Floriano – PI, quinta-feira, 27 de agosto de 2009.


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Bonecos de cera


Bonecos de cera


Apesar de tudo, ainda somos todos iguais.

Ainda dormimos e sonhamos os mesmos sonhos

Que outrora guiaram guerreiros, na impossibilidade de,

Como nós, sonhar.


Apesar de tudo, somos iguais.

Carregamos a mesma liberdade que há séculos fora idealizada

E dela fazemos pele e olhos e sonhos e vida

E nos fazemos nada


Inda sorrimos como antes, sem saber o porque.

E por isso erguemos bandeiras e marchamos

Frente ao Congresso com narizes de palhaço e

Canções imortais que não entendem.

Violamos nossa imortalidade.


Por isso gritamos gol como há 30 anos. Exatamente igual.

Por isso não queremos lembrar de nada da estação passada.

E por isso lemos tantos jornais. Tudo é mesmice.

O novíssimo testamento é escrito a lápis.


Eis o ponto onde perdemos nossas esperanças. Vasto mundo,

Tão vasto quanto uma nota de um dólar.


Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, quarta-feira, 26 de agosto de 2009.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Considerações finais


Considerações finais

Apesar de não ser este o local mais adequado a uma analise mais aprofundada da historiografia nacional, convém ressaltar que Brasília não foi apenas obra do mais puro acaso, e que as cidades-satélites e a violência assustadora que nelas reside não é fruto de tola inocência. Ao contrario de Woshinton, por exemplo, cidade localizada no centro de tudo, DF foi construída no interior do país com o pretexto puritano de expansão demográfica, o que não passa, inegavelmente, de simples fantasia.

A capital de uma nação que se diz democrática deveria se inserir numa região próxima da população e com livre acesso, de maneira a facilitar os protesto s tão defendidos pela constituição varguista de 1936 e reafirmada com a redemocratização nacional pós- ditadura. Porém a dificuldade de acesso da capital aos meios e cobrança sociais são prova mais que concreta da habilidade populista dos políticos que nortearam a construção desta nação.


Manoel Guedes de Almeida

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sobre aclastos e acídios

Sobre aclastos e acídios


Despedir-me-ei do amor, do amor me despirei.

Em disparada quero partir, mas meus pés

resistem à minha imposição


O amor esqueço, todo amor que resta escrevo

em cartas, poemas, testamentos, panfletos...,

E lá os deixo, tão longe

Que nenhum impávido pedido de socorro

Tenha eu que suportar


Esquecer-me-ei as declarações,

As promessas são apenas ensejo,

Falta que faz uma vida sem imposição


Platão faz jantar. Os pratos, as cadeiras estão vazias.

Sobre a mesa ensaiamos peça, nossa peça

E a poesia que nos aclaustra


Do banheiro, este cheiro de merda segue a equilibrar

A balança de nossas vidas - única morte que resta.

Guernica jaz sobre a parede, como eu, empoeirada.


Um dia procurei no mar a imensidão do amor.

Revirei cada concha, cada pedra, cada pedaço de rocha

Mas as conchas estavam vazias, e sob estas pedras

Mais pesadas que os livros do mundo, havia apenas lama e nada


Despedir-me-ei das palavras, abafarei qualquer suplicio.

Despedaçarei espelhos. Suplicarei espaço onde estas asas

Possam voar. Far-me-ei mosca chata e me perderei no ar


E nesse processo louco de humanificação vivo,

Vida amarga e dor dispersa, essa distância infinita.

É que às vezes os sonhos se tornam verdade,

Mas são apenas sonhos e, em verdade,

quanto valem estas Gestalts?!


Duvidamos então que este frio seja ausência

E cremos dissolvermo-nos em solidão.



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 23 de julho de 2009.


sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eterno retorno




Eterno retorno

Este mundo tolo e seus traumas...
O Sol morre, inda é dia! A Lua transtornada transpõe
este humano significado do retorno. Ninguém a nota.
[A noite é um chapéu-coco

Não chore. Toda lágrima é triste ânsia,
e prometestes calado, co’um urro acre de vida
não mais chorar

Todo humano tem seus temores e traumas e tormentos
E ama tudo isso mais que a si mesmo.
Todo homem ouve músicas e se humilha frente ao espelho,
Faz-se humilde às vezes, mera contradição do que o define,
mas bem disfarça.

Traz nas mãos um corpo, mas o corpo é ausência.
Suas mãos são velhas e trêmulas, é artista velho
impossibilitado de pintar o vão. O Mundo é vão.

Picasso sem tela. Debret desiludido. Van Gogh são.

E por mais racional que seja o oficio do ópio, este hospício,
Não há esconderijo suficientemente escuro nessa escuridão.

Ao fim de cada dia, sempre deixo aberta a porta desta casa
pequena e vazia.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, 17 de julho de 2009.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O peso da pena


Foto de © meninazul

O peso da pena


A mesa estava vazia, vazios estavam os copos.

Todas as bocas sorriam e choravam todos os olhos.


Sobre a mesa, lentamente Teresa se despia

Como criança que explora o próprio pudor.

Todos sorriam alegremente e cantavam unívocos

A mesma canção – mas ninguém entendia

E os sorrisos eram todos iguais


Lá fora, sobre a plantação, lagartixas aladas

Anunciam estação. Mas o milharal é de rocha

E o solo é negro e duro e estéril. O sol é ausente.

Somos formigas famintas

E nossos negros buracos orientam multidão


O coletivo inconsciente guia as mãos e as mãos

São fortes e são tantas e se dão, e se vão

Antes que percebamos qualquer ínfima intenção.

Entre a volúpia dos corpos há um espaço

Maior que o maior vão


E aqueles ternos olham Teresa e Teresa nua

Fecha os olhos e se fantasia de Marie Charlet.

Na escuridão de Teresa não há imagem que perfaça o medo.

Não há medo. Não há razão alguma.

Apenas uma lâmpada suspensa do teto.


Escuridão é a negação de toda luz. E a escuridão, Teresa,

É o infinito. Pega tua taça. Beba o infinito.

Dissolva-te nele. Dispersa-te.


Lá fora, as lagartixas voam e os homens marcham

E cantam dingos felizes. Em Boêmia os cemitérios são festa

De convidados nus, enterrados vivos em vala coletiva


Teresa dança. Seu corpo é leve, mas sua cabeça

Pesa mais que o mundo. Sente um desejo

Incontrolável de cair, uma atração pelo declínio

Pelo delírio. Deseja-o como à própria vida

[suas pernas tremem


Zoroaster anuncia o fim dos tempos. O jegue relincha.

Por mais que gritemos, o silêncio é sempre maior

Que qualquer suspiro.



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 16 de julho de 2009.

sábado, 11 de julho de 2009

Ahura Mazda

Ahura Mazda


Você sempre se impressiona com palavras poucas

Com sorrisos bobos, declarações de amor pra vida toda

Você sempre espera que seja para sempre

Sempre acorda exasperada e pede corpo rente


É preciso saber e saber esquecer

É preciso dormir e rezar para que nada dure

Mais que um dia. Olhos atentos

O corpo é sedento, e você, criança tonta,

Ainda acredita que a vida é pra sempre


Mas é preciso um mundo sem Gladiadores

Um mundo sem mapas tatuados em corpos

Um mundo sem bússolas em cada punho

Que estes corpos desejem direção. Mas os caminhos

São apenas caminhos e a vida

É mera terra batida


Nossos heróis estão todos cansados, nós

Estamos todos cansados, nossos ideais foram adestrados

Nossos sonhos são programas de TV, nossos filhos

Não suportam Cruzadas, nosso deus não nos agüenta mais


Nosso Graal foi deturpado. Deus foi corrompido. Nossas

Famílias foram violadas. Nosso idealismo foi estuprado

Mas estamos felizes! O céu é cinza e nosso carro é vermelho


Tudo é ausência e porquês, mas estamos bêbados demais

Para pedir um significado. E nos calamos.

De pés atados, de coração atado,

sonhamos um mundo melhor,

mas o que fazer se Jesus está preso em Guantálamo?!


O Sol é luzinha de natal... Papai Noel parkinsoniano...


Seguimos por milênios num deserto até aqui

Mas nossos pés não deixaram marca alguma pelo chão.

Nosso peito sangra muito e é muito tarde

para fingir que não dói mais



Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, 11 de julho de 2009.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Pau-brasil



Pau-brasil

Brasil, terra querida
Tens laranjeiras, galhos secos, prostitutas
Quintais – bandeiras
Verdes riquezas a perder de vista

Vedes?
“Estamos no paraíso, bandeirantes!”

É moderno. Madeiras, solos, molas
Cadeiras, carros nobres
Mas o bom brasileiro faz a volta
E deita no chão pisado de esperanças

Tem máquinas, homens
Mulheres, crianças
Tem ossos enterrados no quintal

Mas no teu mundo, Brasil,
Também tem escravos e o escravo
Se veste de palhaço e de cara vermelha
anima festinhas, equilibra bolinhas, no sinal
faz gracinhas – cinqüenta anos em cinco, irmãos!
Limpemos este país com as nossas mãos!


mas envelhecemos, e este país é velho e sem infância
alguma a se lembrar. Nascera velho.
E nossas mãos trêmulas não suportam mais o peso
De nossa consciência tão repleta de vazio,
Esse acre sabor que se desfaz tal algodão doce
Nas ilusões de nossa voluptuosa e ilusória mocidade.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, quinta-feira, 2 de julho de 2009.