quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

]Saudade[


]Saudade[

Para Síntia

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Eu... eu sofro...

Sobre o destino


Sobre o destino


Desci do carro apressado. Ela estava lá, com aquele vestido verde feio e aquele olhar profundo. Olhou-me nos olhos e pareceu enxergar minha alma. Fiquei quieto. Calado.
Apoiou seu joelho na borda de concreto da ponte velha por sobre aquele rio, o nosso rio, e ergueu-se, fazendo-se mais próxima do céu.


Era época de seca e se via um fio triste e solitário de água turva a cortar a areia branca aquecida pelo Sol, como uma única veia ainda a ousar alimentar a terra. E o vento era quente e insuportável, e me ardia o corpo ao toque, e lhe balançava os cabelos soltos como se a no céu voar.
Não senti desespero nem medo. Não senti nada.


Encostei-me lentamente. Tentei falar, mas não me saiu sequer uma única palavra. Queria convencê-la a não pular, dizer que ela é a pessoa mais importante de minha vida e por quem eu largaria tudo. Mas não disse. Queria puxá-la à força dali e repousá-la nos meus braços. Seu ser herói, seu anjo protetor. Mas não o fiz. Fiquei estático.


Escorreu pela sua face pálida. Passou pelos seus lábios que tremulavam. Mas não havia medo na sua face. Esperou por algum tempo no seu queixo fino. Acumulou-se um pouco, e finalmente caiu ao chão como em câmera lenta, e senti-me mera ameba impotente, incapaz de impedir a lágrima de quem eu amo. Incapaz de dizer o que eu sinto.
Sentei-me então ao seu lado, pendendo os pés ao vão. Fechei os olhos e senti o vento. Não mais me abrasava o rosto. Ela sentou-se junto a mim e o silencio nos cercou por um tempo, afagou-nos o rosto, pegou-nos no colo e disse-nos estar tudo bem. Mais seguro, repousei minha mão sobre a dela. Senti aquela mão na minha e a aliança que há muito a dera.


Disse então, dentre soluços incontidos, que eu estaria com ela para todo sempre. Não tentei entendê-la nem mesmo impedi-la. Ela estava ali e eu também. E só. Ela disse que me amava, mas que seria necessário. Mas não era necessário explicar. Eu não queria explicação alguma.


Lembrei de nossas conversas malucas e pedidos de casamento inesperados. Lembrei-me naquele instante de toda a minha vida. Sonhei ali, novamente, todos os nossos sonhos passados. E chorei, mas as lágrimas sumiam antes que tocassem o chão. "Queria uma casa no lago", disse baixinho. Ela me disse "Também". "Queria um cachorro e filhos que brincassem com ele". Ela me disse "Também". Perguntei do futuro que construiríamos juntos. Ela me respondeu ser impossível, e me pediu perdão. Mas não havia crime algum a ser perdoado. Disse que a amava muito. Ela balançou a cabeça e disse "eu sei". E se calou.


Não ousei perguntar o motivo. Acho que não suportaria a resposta. Mas fiz promessas e eu sempre às cumpro.
Ergueu então a cabeça, de leve, e olhou-me nos olhos. Disse-me "te amo muito" e pediu para que eu nunca a esquecesse. E senti um aperto mais forte de sua mão na minha. Um adeus escondido no toque. Beijei-a o rosto e depois toquei seus lábios com os meus. Disse-a "nunca".


Pendeu seu corpo e largou-se ao ar. Eu fui junto.


Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, quarta-feira, 30 de julho de 2008.

Ensaio sobre as coisas vivas



Pensando na vida, meu filho?

Mas que vida, tio?! Depois dos oito anos

e do primeiro crack

a gente aprende,

Não há vida alguma.

A vida, hoje em dia,

(como se houvesse outra vida)

é dissolvida sob pressão na coca-cola.

Escapa a cada gole. Arroto.

Por fim,

Viva o lado coca-cola da vida.




Manoel Guedes de Almeida

Floriano-PI, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009.



Messiânica





Messiânica

Quero sentir teu toque a desbravar meu corpo.
Tua mão a tocar a minha. Levemente.
Teu silêncio
A dizer que me amas,
Tuas mentiras mais honestas.
Se me amas?
Pouco importa.

Olhe-me nos olhos,
bem no fundo.
Senti-los-ei a contemplar os meus.
mas meus olhos são feios e fechados. Sutura.
e os teus inexistentes.

Olha-te então nos meus olhos, Narciso,
Fazeis deles lago. Cristalino.
Mergulha-te.
Flutua.
Debate. Aspira. Afoga.

Dizes que me amas e juras sentir o que não sente.
Ensaia e chora.
Meus dedos enxugam teu teatro.
Encena o Ato, do palco alto
Juras ser para sempre
[e se vai.
Eu finjo ser feliz. Você também.



Manoel Guedes de Almeida Floriano-PI,
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009.