terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O corpo e o colo




O corpo e o colo

E se meu amor tiver passado
E dele só restar um anel negro que já não me cabe no dedo
E lembranças que já não me cabem na alma?

As músicas se erguem feito concreto
Seus lábios me vêm, seus olhos me vêem
Me contam histórias...
E posso tocá-las
Posso senti-las antes de dormir
E guardá-las rente ao peito como travesseiro
Como fleches antes da forca
Pulso antes da faca,
desfile de cegos e desfiladeiro.
Do pó ao pó. E possessao.

E se meu amor tiver passado...
Se tivesse ido de carro, ido de bonde
Se tivesse subido num disco voador
E levado consigo minha memória
Talvez houvesse saída, talvez restasse crença ou fé
Talvez eu aprendesse a voar
Ou implantasse bilhões de receptores no meu corpo
Que me fizessem sentir sobre minhas Gestalts
Desfiado toda a minha carne
Desfeito toda a minha esperança

Pinto sorriso numa folha de caderno em branco
E costuro na minha face antes de sair
Ensaio sentimentos e me saio bem
Morro um pouco a cada reencontro
E toda noite, me suicido.
Talvez um dia me convença que fui capaz
De ser feliz.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 18 de janeiro de 2011.






domingo, 16 de janeiro de 2011

Cajuína
À Eunice Almeida

E quando existe um demônio dentro de ti
Que te consome por dentro,que te dissolve
Que dissolve a esperança, o passado
Que desfaz o futuro, a mesa posta
Cada gota de ânimo
Um demônio no teu colo, na tua estrutura
Um demônio na tua cabeça, na tua palavra
Em cada célula do teu corpo
Que te mata de sede, que te prende na carne
Que te afasta da tua presença, do teu natal
Dos que tu mais ama
Que te faz temer o dia, querer a morte,
E quando não há o que se possa fazer?

Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, 16 de janeiro de 2011.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Um ponto no universo


Um ponto no universo

Lembro de poucas coisas da minha infância
Algumas cenas largadas pelo chão do meu quarto 
E poucas fotografias nas paredes. Ou nenhuma.
Talvez eu seja um daqueles extraterrestres
Tipo Clarck Kent, só que sem super-poderes.
Então, é isto: quero voltar pra casa.
Vou construir um disco voador e voltar pra Plutão
(sempre achei Plutão mais acolhedor)
Devo ter uma casa lá. Talvez família e uma bicicleta vermelha
Daquelas com rodinhas dos lados
E um quintal grande com muitas árvores.
Talvez lá as bocas sejam mudas 
E ninguém tenha corpo ou rosto
E não haja um cemitério no quintal de cada casa
Ou sangue na palma de cada mão
Talvez as leis sejam outras e seja possível amar
Talvez os aluguéis sejam mais baratos
Talvez não existam tantas bandeiras ou céus
E não se morra de fome, catástrofe, solidão.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de janeiro de 2011.




Estas palavras

Se eu morresse amanhã
Talvez escrevesse uma carta como esta
E a enterrasse numa latinha de manteiga no fundo do quintal
Para que daqui há 500 anos alguém a encontrasse
E soubesse que existi, que de fato existi,
Que sorri como alguns e chorei como milhares
Que amei mesmo sem crer que fosse possível amar
Que sofri coisas pelas quais ele também sofrera
E que meu sangue fora da cor do seu
Que parti antes que compreendesse o peso do esquecimento
E pichei asas nas paredes do mundo
Na ânsia voar
Que ergui meu punho contra quem amei
E matei quantos eu pude
Que lutei contra quem não lutava e gritei
Enquanto feras devoravam meu corpo
Quando quis ser concreto e não pude
Quando meu grito ecoava como d’um bebê abandonado
Num vão de esquecimento e vazio
Todo simbolismo é resto sem gosto e um rosto
Não me restará mais

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de janeiro de 2011.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Da luz dos teus olhos, uma lágrima


Da luz dos teus olhos, uma lágrima 



À Débora Regina
Tento queimar os teus olhos com a brasa que resta em meu coração.
Com o sangue que resta, encharcá-los
Afogá-los no suor que esta
Busca insensata trouxera ao delírio da minha razão
Pô-los num copo embebidos em vinho
Acesso direto à tua alma deste criado mudo
De onde uma voz me chega como um gemido abortado
Como um grito tremido
De quem quisera voar, porém muito jovem,
Não suportara o peso da alma transbordada
De desejo e culpa.

Tento rancar os teus olhos com um punhal.
Pô-los numa caixa sobre a mesa
Ao alcance do meu pudor. E vedá-la.
Teus olhos negros não me refletem alma
E não há coragem bastante para o desfecho final.

E tua boca, tento rancá-la.
Lembro-me bem, seria na medida da minha
Mas já não me cabe, mas já não me suporta.
Pregaria no espelho tal Cristo
Se assim ficasse, se assim sorrisse
Se mesmo que falsamente sorrisse.
Se assim calasse. Se já não me ferisse.

Teus braços e pernas pregaria aos meus.
Seriam a extensão do meu corpo
Como se meu espírito já não me quisesse
E houvesse algo de divido nisto.

Teu corpo, todo o resto, sob o cobertor.
E a dor toda lá fora, dispersa no mundo,
Escondida entre os deuses e suas catedrais,
Como se não suspeitassem da nossa existência
Como se não houvesse mais suicidas. Ou importância.
Pois estariam todos mortos,
Submersos num mar de cartas
Dedicadas à próxima geração de solitários corações.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, quinta-feira, 06 de janeiro de 2011.





Na madrugada

Na madrugada

Tenho tido longe de mim, por muito tempo,
Um amor maior que o contivera
Uma beleza maior que a primavera...
Deserdo grande e frio, tempo disperso,
Tempo de ampulhetas vazias, casas desertas.

E este corpo aqui jaz receptáculo
Ossos a bailar cinéreas praças
Civilizações entre rios e monumentos
Deste corpo de bilhões de rostos incompletos. Iguais.
Destes sonhos de concreto. Banais. Dos objetivos.
Da garra que lhe transfigura a face e rança-lhe os sentidos
Feito um punhal

E me trazes um sorriso, mas não estás a sorrir senão dentro de mim.
E me procuro em cada traço, mas sou desenho em nuvem
E me refaço antes que me desvende. De repente sou Deus lá em cima.
Inquietação. Noutro instante sou apenas borrão
que se desfaz com a chuva. Ou com a noite. Ou com o sonho.
Talvez a morte me desfaça e ponha no meu peito algum esquecimento.



Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta – feira, 05 de janeiro de 2011.

Elmo





Elmo

Você arrancou meu coração do teu peito 
E o triturou. Quisera ter perdido um braço, uma perna.
Quisera ter perdido a cabeça e enlouquecido.
Composto canções. Me embriagado. Chorado até que não restasse
Nenhuma gota de sangue dentro de mim.

Mas eu vivi. Nenhuma lágrima borrou meus passos.
Construí monumentos que poderiam ser vistos do espaço
E me perguntei se você os teria visto. Como seria
Se as ações não tivessem desfeito a linha do tempo
Se as ações não tivessem perdido o sentido e a importância.

E veja: já dei três mil voltas ao redor do mundo.
- este sofá me é familiar, digo, mas meus lábios não dão a mínima.
Venci batalhas quando achei que não conseguiria lutar
E matei quem eu mais amava por medo de sofrer
E fingi ser forte enquanto meu coração sangrava
Enquanto a razão me tornava indiferente, um soldado,
uma ameba.
Enquanto os sentidos me tornavam a pessoa mais feliz do mundo.

É fato: estou no mesmo lugar e quero chuva; mas aqui não chove.
Estou farto de tantos corações de vidro à minha volta.
Não agüento mais a força falsa que me sustenta.
Esse deus palhaço que orienta.
É que o único lugar em que me sinto humano é nos teus braços
Mas há cadáveres. E não sabes que amas um psicopata
Que escreve cartas
Que se suicida um pouco toda noite antes de adormecer.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta-feira, 05 de janeiro de 2011.