quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Da luz dos teus olhos, uma lágrima


Da luz dos teus olhos, uma lágrima 



À Débora Regina
Tento queimar os teus olhos com a brasa que resta em meu coração.
Com o sangue que resta, encharcá-los
Afogá-los no suor que esta
Busca insensata trouxera ao delírio da minha razão
Pô-los num copo embebidos em vinho
Acesso direto à tua alma deste criado mudo
De onde uma voz me chega como um gemido abortado
Como um grito tremido
De quem quisera voar, porém muito jovem,
Não suportara o peso da alma transbordada
De desejo e culpa.

Tento rancar os teus olhos com um punhal.
Pô-los numa caixa sobre a mesa
Ao alcance do meu pudor. E vedá-la.
Teus olhos negros não me refletem alma
E não há coragem bastante para o desfecho final.

E tua boca, tento rancá-la.
Lembro-me bem, seria na medida da minha
Mas já não me cabe, mas já não me suporta.
Pregaria no espelho tal Cristo
Se assim ficasse, se assim sorrisse
Se mesmo que falsamente sorrisse.
Se assim calasse. Se já não me ferisse.

Teus braços e pernas pregaria aos meus.
Seriam a extensão do meu corpo
Como se meu espírito já não me quisesse
E houvesse algo de divido nisto.

Teu corpo, todo o resto, sob o cobertor.
E a dor toda lá fora, dispersa no mundo,
Escondida entre os deuses e suas catedrais,
Como se não suspeitassem da nossa existência
Como se não houvesse mais suicidas. Ou importância.
Pois estariam todos mortos,
Submersos num mar de cartas
Dedicadas à próxima geração de solitários corações.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, quinta-feira, 06 de janeiro de 2011.





Na madrugada

Na madrugada

Tenho tido longe de mim, por muito tempo,
Um amor maior que o contivera
Uma beleza maior que a primavera...
Deserdo grande e frio, tempo disperso,
Tempo de ampulhetas vazias, casas desertas.

E este corpo aqui jaz receptáculo
Ossos a bailar cinéreas praças
Civilizações entre rios e monumentos
Deste corpo de bilhões de rostos incompletos. Iguais.
Destes sonhos de concreto. Banais. Dos objetivos.
Da garra que lhe transfigura a face e rança-lhe os sentidos
Feito um punhal

E me trazes um sorriso, mas não estás a sorrir senão dentro de mim.
E me procuro em cada traço, mas sou desenho em nuvem
E me refaço antes que me desvende. De repente sou Deus lá em cima.
Inquietação. Noutro instante sou apenas borrão
que se desfaz com a chuva. Ou com a noite. Ou com o sonho.
Talvez a morte me desfaça e ponha no meu peito algum esquecimento.



Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta – feira, 05 de janeiro de 2011.

Elmo





Elmo

Você arrancou meu coração do teu peito 
E o triturou. Quisera ter perdido um braço, uma perna.
Quisera ter perdido a cabeça e enlouquecido.
Composto canções. Me embriagado. Chorado até que não restasse
Nenhuma gota de sangue dentro de mim.

Mas eu vivi. Nenhuma lágrima borrou meus passos.
Construí monumentos que poderiam ser vistos do espaço
E me perguntei se você os teria visto. Como seria
Se as ações não tivessem desfeito a linha do tempo
Se as ações não tivessem perdido o sentido e a importância.

E veja: já dei três mil voltas ao redor do mundo.
- este sofá me é familiar, digo, mas meus lábios não dão a mínima.
Venci batalhas quando achei que não conseguiria lutar
E matei quem eu mais amava por medo de sofrer
E fingi ser forte enquanto meu coração sangrava
Enquanto a razão me tornava indiferente, um soldado,
uma ameba.
Enquanto os sentidos me tornavam a pessoa mais feliz do mundo.

É fato: estou no mesmo lugar e quero chuva; mas aqui não chove.
Estou farto de tantos corações de vidro à minha volta.
Não agüento mais a força falsa que me sustenta.
Esse deus palhaço que orienta.
É que o único lugar em que me sinto humano é nos teus braços
Mas há cadáveres. E não sabes que amas um psicopata
Que escreve cartas
Que se suicida um pouco toda noite antes de adormecer.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta-feira, 05 de janeiro de 2011.