domingo, 1 de novembro de 2009

JESUS É POP!

Um pouco mais de Sartre



Eu não aconselho absolutamente ninguém a ficar durante três horas com a bunda sentada assistindo Sartre falar sobre política. Eu escolhi fazer porque o acho muito engraçado, então daria no mesmo de assistir a uma comédia com o Adam Sandler.
"Tudo é gratuito: este jardim, este cidade e eu próprio. Quando a gente se dá conta disso, o coração fica pesado e tudo começa a rodar. Fiquei no banco, perplexo, achatado por essa profusão de seres sem origem. Por toda parte, desabrochamentos. Minhas orelhas fervilhavam de existência. Minha própria carne palpitava, pulsava e se abandonava à germinação universal. Era repugnante." Jean-Paul Sartre, em A Náusea.
"Era repugnante." É de um pessimismo hilário. Eu juro que não entendo como as pessoas podem estranhar quando eu digo que Sartre era engraçado. Talvez seja um problema meu mesmo - porque, por exemplo, já dei gargalhadas lendo Virginia Woolf. Notei que acho engraçado quase tudo que considero genial. O que não é uma via de mão dupla, porque não acho genial quase tudo que acho engraçado. Acho raríssimas as coisas geniais - e considero Sartre genial, sim, apesar de contestar praticamente tudo que ele falava.

É sempre necessário procurar entender, antes de tudo, a época. Já ouvi muita gente critica-lo pelo fato de fazer "arte política", etc e tal. Se eu tivesse sido prisioneira na segunda guerra mundial, certamente não escreveria sobre o que eu escrevo hoje. Provavelmente seria ativista, militante, e toda aquela parafernalha. Isso vale para toda a turminha da ditadura militar, que também é alvo fácil dos mimimi mas arte não deve carregar ideologia política mimimimi.
Muito fácil porque ninguém hoje em dia é enviado à campos de concentração, vivemos tempos de uma liberdade enorme onde uma ministra sugere que relaxemos e gozemos e Vanusa resolve cantar sua própria versão do hino nacional com os cornos cheios de comprimido. Vivemos, hoje, num eterno carnaval, eu não sei até que ponto isso é bom ou ruim, eu não sei até que ponto essa liberdade é totalmente benéfica - o fato é que, hoje em dia, falar em "arte política" depois dos quinze anos soa ridículo, sim. Num passado relativamente próximo, não. Escrevemos o que vivemos, o que estamos vendo - mesmo que porventura vistamos nossos personagens com fantasias.
Tirando, então, o fator político na obra de Sartre, há um fator filosófico simplesmente encantador, mesmo quando vai de encontro às minhas verdades atuais ou quando banhado do pessimismo cômico que já citei - "Porque estava sempre lendo para me livrar do tédio. Esse tédio, mais tarde, chamei de existência."
Sartre por ele mesmo não é o documentário mais legal do mundo - é bem verdade que durante certas passagens a vontade é dar com a cabeça na parede - justamente porque o fator político domina 90% do filme.
Há pontos curiosos: é delicioso, por exemplo, ver a relação dele com a gentil, simpática e terna Simone de Beauvoir.
"- Como se ajudam mutuamente no trabalho?
- Basicamente criticando o que o outro escreveu."
O que eu acho bonitinho no relacionamento dos dois - se é que posso usar a palavra bonitinho para descrever - é que eram, visivelmente, farinha do mesmo saco. "Um critica o outro com grande severidade, às vezes até brutalidade." Eu faço idéia. "Às vezes, discutíamos tão alto que Bost, que vinha almoçar conosco, ia embora assustado, dizendo: volto quando estiverem melhor."
"- E em que ele era tão diferente dos outros?
- Acho que era o mais sujo, mal-vestido e talvez o mais feio."

Como sempre um docinho de pessoa e dona da voz mais feia que já ouvi, Simone de Beauvoir participa do documentário com outros quatro ou cinco - o clima pelo menos é de bastante descontração, thanks God, senão seria impossível assistir até o final.
Acredito que vale a pena para historiadores ou aficionados por Sartre. Os apenas admiradores - e neste último grupo eu me encaixo - que conseguirem chegar até o fim, não toparão ver o filme novamente nem sob tortura.


Jean-paul Sartre