domingo, 30 de maio de 2010

Manrique, o monstro emo, e Lisbela

Manrique, o monstro emo, e Lisbela

E se permitiu viver, embora de maneira tímida, e talvez esse tenha sido seu maior erro.  Viver após a vida lhe ter sido opressora, respirar após mesmo o ar lhe ter ferido o peito, até o sangue lhe parecer doce ao paladar... erro... Mas, em fim, ele tentou, relutante, mas tentou.
Porém o ambiente se mostrara novamente hostil. Fora devagar, respirara devagar como tomado pelo mais profundo medo, andara devagar como se cada passo lhe gerasse uma poça de lágrima e sangue. Tentara viver assim, assim devagar, assim sem saber. A vida no anonimato costumava ser mais suportável. Ergueu grades, mas as grades se mostraram inúteis. Ergueu muros, mas os muros lhe foram em vão. Seria possível viver sem um mínimo de sentimento, viver sem calor ou frio, sem dor?
De alguma forma estranha, por um tempo ele conseguira. Não pensava o início ou o fim, apenas seguia, lentamente, e vivia a vida que se revelava diante de si. Mas a vida lhe trouxera sentidos; se debateu no ar, absorto no ar, no ar que comprime o ânimo e tinge a vida de sonhos, e lutou contra monstros e moinhos. Talvez Quixote tivesse razão e tudo que seja humano seja vil. Já possuía tantas marcas que nem se defendia mais. Enfim, o que fazer quando todos os seus sonhos se mostram reflexo de uma vida impossível?
Depositar todos os seus mais íntimos desejos em um sentimento... [pausa para respiração profunda...] depois disso, decidiu viver o vão que havia dentro de si, e cada palavra doce dita meio sem explicação lhe corroia a alma. Por isso se defendia tanto, por isso nunca mais procurara alguém que lhe completasse, que selasse esse sentimento de vazio que trouxera consigo por todos os dias, por todas as noites, essas noites frias mais longas que a vida.
                                                                      

Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 30 de maio de 2010.