domingo, 21 de agosto de 2011

Dos teus olhos/Soletude


Dos teus olhos/Soletude

É na madrugada que me transfiguro, que me transpasso
Como se o passado já não me quisesse
Como se o aço que me enlaça o passo
Já se desfizesse
E teu ar, que exalo, falta já não me fizesse

Nesta madrugada, de frio, de paço
A teus olhos passo, como a neve
De leve. Um tanto de sonhos e um punhado
De esperanças. E o tato breve
Como uma lembrança solúvel
Como uma brisa livre no quintal

E me pergunto, dos teus olhos,
Cruel, como posso¿
Se há navalhas na esperança
No lábio, no meu tato leve.
Ânsia talvez. Um pouco mais de ar, vinho até a morte.
Talvez ao norte, um porco de soletude.
E alguma física que solidifique minha insensatez.  

Talvez. Alguma arma contra insegurança. Talvez.
A construção de um forte, o mais forte. Paço.
E uma única verdade: Deus
Fez do amor solúvel.
Mas a fé, como fé,
Inexorável.
E o Amor, ainda que amor,
Inextinguível.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 21 de agosto de 2011.  

sábado, 9 de julho de 2011

Deixa ver




Estou de saía pra lua.
Talvez lá haja qualquer abrigo,
Qualquer abraço. Casa de algum amigo
Esboço qualquer de lar.

Estou de saída pra Lua.
Talvez dois passos, talvez do outro lado rua
Haja alguma luz, alguma esperança,
Como se viver fosse deixar
Pra traz o lado escuro da vida

Talvez eu leve o mundo na mochila
 E um punhado de fé no bolso
Pras horas de suicídio
Alguma forma humana de me proteger
Alguma forma de reaprender a andar
Alguma forma de mágica

Talvez esse seja o fim de nossas vidas
Deixa ver se há motivos pra mudar
Se a casa vai mesmo desabar
Deixa ver se há amor em tantos cortes
Se há sorte, se há crença, a sentença
Deste estado de desilusão
Se o fim está mesmo do outro lado dos olhos
Do outro lado da porta.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 09 de julho de 2011


terça-feira, 10 de maio de 2011

Et al

Et al

Amor. Ar. Morte. Norte.
Sem sorte. Or. Ara.
Et al.
E tal. Qual? Sem sal. Ora.
Do norte a morte
Et al. Coisa e tal. E agora?

Amor. Aroma. Tenra garra. É hora.
terra.
Esfola a fora o desejo
Vejo. Concebido seio.
Anseio. Amor que mora. Mor. Senhora.
Do outro lado da rua. Do outro lado do rio
Do outro lado do mundo.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 07 de maio de 2011.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Desejo

Quero todas as minhas lembranças ao alcance de mim
Assim talvez eu nunca envelheça
Talvez assim eu nunca enlouqueça
Serei a lembrança do que fui. E o amor perdido.

Por isso tantas fotografias
Tantas cartas, tantas caixas
Tantos quadros na parede...
- Mas um dia não haverá mais parede.
Nesse dia não haverá mais desejo.

Por isso as pegadas no tapete
- às refaço sempre que possível
E o sol de giz nas calçadas
-esse, persistirá além do pó.

E o pó sobre tudo. O pó sobre mim.
O pó sobre você.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 02 de maio de 2011.

Intersubjetiva


Intersubjetiva

É você que não sorri, que tem lábios e não beija
- e não sorri
Que não diz nada que não tenham dito
Que é esfera, que é esfinge
Você que não tem face que não tem reflexo,
Você que não se expressa que tem pressa,
Você que tem corpo que não tem tato
Que não tem teto que não deseja
Você que não é que não tem nome
Por você não choro que lágrimas não tenho
Não te oro que deus é tua turva fotografia
Não o amo porque não te posso amar e nem tu me podes
Porque sou tu que és deus
E em teu seio não há senão a vã expectativa.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 30 de abril de 2011.







domingo, 13 de fevereiro de 2011

Dois dias

Dois dias

À Débora Regina

Pôr-te em moldura de concreto armado
E arrancar o aço do seio do teu coração
E destruir
todos os relógios do mundo
Como se Deus tivesse criado a engrenagem
E o amor destruído o tempo e a razão...

Como te amar pra sempre se foges de mim
Se transfigura a minha face, as minhas atitudes
Se decepa assim como nada cada sentimento?...

Quisera eu ter te amado antes que houvesse tantas feridas
Quando teus sonhos e objetivos eram uma só criatura
E sorrir ainda se podia...
Então, como te ter pra sempre?

Talvez apenas a tua imagem sobre a cabeceira
A tua imagem tatuada no meu peito
Teus olhos tatuados na minha concretude...

E me sorri e me abraça e és sempre assim
E vejo tuas cicatrizes porque não és de concreto
Porque tens carne e sentidos e se permite sentir...
E vejo teus pêlos pelo cobertor
Teu cheiro no meu travesseiro
Teu sorriso tingindo a parede
E me lembro que podes sorrir
Que podes verdadeiramente sorrir.

Às vezes me pergunto se devo morrer também,
Por uma estátua minha ao lado da tua e morrer.
Fechar os olhos e morrer.
Acho que existe algum gene que expresse cimento
Em cada célula de nossos corpos,
Pois se te amo, me desumanifico.

Antes um homem, agora quimera, quiçá bruta pedra.
(E como posso amar uma pedra?)
Incrustrado na rocha do meu corpo jaz todo amor que resta
E se destina a ti, que também é pedra.
Talvez um dia chamem isso de alma
E descubram que as pedras também podem sangrar.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de fevereiro de 2011.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Esfera


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O corpo e o colo




O corpo e o colo

E se meu amor tiver passado
E dele só restar um anel negro que já não me cabe no dedo
E lembranças que já não me cabem na alma?

As músicas se erguem feito concreto
Seus lábios me vêm, seus olhos me vêem
Me contam histórias...
E posso tocá-las
Posso senti-las antes de dormir
E guardá-las rente ao peito como travesseiro
Como fleches antes da forca
Pulso antes da faca,
desfile de cegos e desfiladeiro.
Do pó ao pó. E possessao.

E se meu amor tiver passado...
Se tivesse ido de carro, ido de bonde
Se tivesse subido num disco voador
E levado consigo minha memória
Talvez houvesse saída, talvez restasse crença ou fé
Talvez eu aprendesse a voar
Ou implantasse bilhões de receptores no meu corpo
Que me fizessem sentir sobre minhas Gestalts
Desfiado toda a minha carne
Desfeito toda a minha esperança

Pinto sorriso numa folha de caderno em branco
E costuro na minha face antes de sair
Ensaio sentimentos e me saio bem
Morro um pouco a cada reencontro
E toda noite, me suicido.
Talvez um dia me convença que fui capaz
De ser feliz.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 18 de janeiro de 2011.






domingo, 16 de janeiro de 2011

Cajuína
À Eunice Almeida

E quando existe um demônio dentro de ti
Que te consome por dentro,que te dissolve
Que dissolve a esperança, o passado
Que desfaz o futuro, a mesa posta
Cada gota de ânimo
Um demônio no teu colo, na tua estrutura
Um demônio na tua cabeça, na tua palavra
Em cada célula do teu corpo
Que te mata de sede, que te prende na carne
Que te afasta da tua presença, do teu natal
Dos que tu mais ama
Que te faz temer o dia, querer a morte,
E quando não há o que se possa fazer?

Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, 16 de janeiro de 2011.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Um ponto no universo


Um ponto no universo

Lembro de poucas coisas da minha infância
Algumas cenas largadas pelo chão do meu quarto 
E poucas fotografias nas paredes. Ou nenhuma.
Talvez eu seja um daqueles extraterrestres
Tipo Clarck Kent, só que sem super-poderes.
Então, é isto: quero voltar pra casa.
Vou construir um disco voador e voltar pra Plutão
(sempre achei Plutão mais acolhedor)
Devo ter uma casa lá. Talvez família e uma bicicleta vermelha
Daquelas com rodinhas dos lados
E um quintal grande com muitas árvores.
Talvez lá as bocas sejam mudas 
E ninguém tenha corpo ou rosto
E não haja um cemitério no quintal de cada casa
Ou sangue na palma de cada mão
Talvez as leis sejam outras e seja possível amar
Talvez os aluguéis sejam mais baratos
Talvez não existam tantas bandeiras ou céus
E não se morra de fome, catástrofe, solidão.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de janeiro de 2011.




Estas palavras

Se eu morresse amanhã
Talvez escrevesse uma carta como esta
E a enterrasse numa latinha de manteiga no fundo do quintal
Para que daqui há 500 anos alguém a encontrasse
E soubesse que existi, que de fato existi,
Que sorri como alguns e chorei como milhares
Que amei mesmo sem crer que fosse possível amar
Que sofri coisas pelas quais ele também sofrera
E que meu sangue fora da cor do seu
Que parti antes que compreendesse o peso do esquecimento
E pichei asas nas paredes do mundo
Na ânsia voar
Que ergui meu punho contra quem amei
E matei quantos eu pude
Que lutei contra quem não lutava e gritei
Enquanto feras devoravam meu corpo
Quando quis ser concreto e não pude
Quando meu grito ecoava como d’um bebê abandonado
Num vão de esquecimento e vazio
Todo simbolismo é resto sem gosto e um rosto
Não me restará mais

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de janeiro de 2011.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Da luz dos teus olhos, uma lágrima


Da luz dos teus olhos, uma lágrima 



À Débora Regina
Tento queimar os teus olhos com a brasa que resta em meu coração.
Com o sangue que resta, encharcá-los
Afogá-los no suor que esta
Busca insensata trouxera ao delírio da minha razão
Pô-los num copo embebidos em vinho
Acesso direto à tua alma deste criado mudo
De onde uma voz me chega como um gemido abortado
Como um grito tremido
De quem quisera voar, porém muito jovem,
Não suportara o peso da alma transbordada
De desejo e culpa.

Tento rancar os teus olhos com um punhal.
Pô-los numa caixa sobre a mesa
Ao alcance do meu pudor. E vedá-la.
Teus olhos negros não me refletem alma
E não há coragem bastante para o desfecho final.

E tua boca, tento rancá-la.
Lembro-me bem, seria na medida da minha
Mas já não me cabe, mas já não me suporta.
Pregaria no espelho tal Cristo
Se assim ficasse, se assim sorrisse
Se mesmo que falsamente sorrisse.
Se assim calasse. Se já não me ferisse.

Teus braços e pernas pregaria aos meus.
Seriam a extensão do meu corpo
Como se meu espírito já não me quisesse
E houvesse algo de divido nisto.

Teu corpo, todo o resto, sob o cobertor.
E a dor toda lá fora, dispersa no mundo,
Escondida entre os deuses e suas catedrais,
Como se não suspeitassem da nossa existência
Como se não houvesse mais suicidas. Ou importância.
Pois estariam todos mortos,
Submersos num mar de cartas
Dedicadas à próxima geração de solitários corações.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, quinta-feira, 06 de janeiro de 2011.





Na madrugada

Na madrugada

Tenho tido longe de mim, por muito tempo,
Um amor maior que o contivera
Uma beleza maior que a primavera...
Deserdo grande e frio, tempo disperso,
Tempo de ampulhetas vazias, casas desertas.

E este corpo aqui jaz receptáculo
Ossos a bailar cinéreas praças
Civilizações entre rios e monumentos
Deste corpo de bilhões de rostos incompletos. Iguais.
Destes sonhos de concreto. Banais. Dos objetivos.
Da garra que lhe transfigura a face e rança-lhe os sentidos
Feito um punhal

E me trazes um sorriso, mas não estás a sorrir senão dentro de mim.
E me procuro em cada traço, mas sou desenho em nuvem
E me refaço antes que me desvende. De repente sou Deus lá em cima.
Inquietação. Noutro instante sou apenas borrão
que se desfaz com a chuva. Ou com a noite. Ou com o sonho.
Talvez a morte me desfaça e ponha no meu peito algum esquecimento.



Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta – feira, 05 de janeiro de 2011.

Elmo





Elmo

Você arrancou meu coração do teu peito 
E o triturou. Quisera ter perdido um braço, uma perna.
Quisera ter perdido a cabeça e enlouquecido.
Composto canções. Me embriagado. Chorado até que não restasse
Nenhuma gota de sangue dentro de mim.

Mas eu vivi. Nenhuma lágrima borrou meus passos.
Construí monumentos que poderiam ser vistos do espaço
E me perguntei se você os teria visto. Como seria
Se as ações não tivessem desfeito a linha do tempo
Se as ações não tivessem perdido o sentido e a importância.

E veja: já dei três mil voltas ao redor do mundo.
- este sofá me é familiar, digo, mas meus lábios não dão a mínima.
Venci batalhas quando achei que não conseguiria lutar
E matei quem eu mais amava por medo de sofrer
E fingi ser forte enquanto meu coração sangrava
Enquanto a razão me tornava indiferente, um soldado,
uma ameba.
Enquanto os sentidos me tornavam a pessoa mais feliz do mundo.

É fato: estou no mesmo lugar e quero chuva; mas aqui não chove.
Estou farto de tantos corações de vidro à minha volta.
Não agüento mais a força falsa que me sustenta.
Esse deus palhaço que orienta.
É que o único lugar em que me sinto humano é nos teus braços
Mas há cadáveres. E não sabes que amas um psicopata
Que escreve cartas
Que se suicida um pouco toda noite antes de adormecer.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, quarta-feira, 05 de janeiro de 2011.