sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Amanhecer branco



Amanhecer branco 

Jaz o sentido, a prece, o sonho
Jaz a tentativa, o irrefutável silêncio
do porão escuro do medo
Jaz a alma, já cansada
jaz a arma, já armada

destes testes, deste sonho
impalpável
de arranha-céu

Que é do teu corpo que se fazem prédios
Que é do teu amor vermelho que se tingem os céus

no silêncio destas catedrais, silencia
do aço destes teus punais, apaga tuas digitais
e alivia

só o tato resta, esvaecendo nosso último suspiro,
e um sorriso breve, que ecoa de  Auschwitz
e desbrava minha branca lucidez

Débora Regina Marques Barbosa/Manoel Guedes de Almeida
26/11/2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O homem que matou o amor


O homem que matou o amor

Por muito tempo acreditei 

que a vida tivesse dois sentidos bem definidos 
passado e futuro, 
como dois pontos distintos sobre um papel
e cada um, uma pessoa
uma mais rápida que o tempo
e outra mais lenta
à sombra do momento intangível

mas há outro ponto
que se senta em algum canto qualquer
cansado demais para ir adiante
ou para acreditar no potencial das coisas

está exausto
e as árvores já mortas
não lhe dão sombra

constrói-se no agora
antes do próximo segundo
não em castelos medievais
ou em naves espaciais intergaláticas
mas em casa de tijolo e barro
que se o tempo levar, ele reconstrói
inda que sonho, inda que tinta, inda que papel
inda que sinapses

e as ilusões ele trás nas mãos,
nos pés e passos, o coração
as lágrimas ele chora agora
pelas árvores de agora
e no agora planta suas sementes e ideais
os que respiram
inda que calados
dentro de seu peito calado
que abafa o grito
de quem matou tudo
o que mais amava

___
Manoel Guedes de Almeida
Teresina-PI, 11/09/2012

O médico que quero ser



Não sei. Quem sabe alguém me diga
Ou diga quem sou, quem fui 
Conforme quem seja
Talvez a dor que sinta 
Molde o fogo que abrasa o peito
Mas há forma que caiba esse ardor? 

Não sei. Quem sabe me diga 
Seu maior medo, qual seja 
Seu maior desejo, que seja 
Meu maior desejo. 

E andaremos juntos ao final da tarde 
E faremos revolução no quintal de casa
Ao som do que há de ser 

Faremos dos braços e abraços (de todos) 
Pedra e aço

Não de corpos, que a terra corrói 
Não de almas, que a vida constrói 
Mas médico de vidas

Manoel Guedes de Almeida
17/09/2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Em algum lugar do céu


Em algum lugar do céu

tantas veias a cidade, tantas vidas
tantas almas mudas dissolvidas
na amarelidão da luz

não há nome a cidade, nem há corpos ou carros
vistos do alto
e me pergunto que história tem
que outro mundo guarda
impregnado em seu manto

há vida na veia
da cidade
movem-se pontos
luminosos no asfalto
surdo
e não há voz ou conjecturas

há sentido na cidade?
deve haver algo de divino nisto, nesse novelo
de luz

uma após a outra
passam
na lentidão do tempo
quantas células, quantas histórias?

de repente já se foi
e eu já me fui

Manoel Guedes de Almeida
01/08/12

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um pequeno relógio francês


Queria apenas um segundo
Que a carne e o concreto
fossem formas de frações de segundo aglutinadas.
E os segundos iriam ao Plenário
Preveriam o tempo, apresentariam o Jornal Nacional,
levariam as crianças às escolas,
antecipariam as estações do ano 
e ganhariam Nobeis

Desenho um segundo em minha mão
e imagino quantos bilhões de coisas cabem
neste segundo
neste único dígito
que borra minhas digitais
impressas como pegadas
nas moléculas de ar

fraciono este segundo. Regro a gota do tempo.
pressiono o dedo contra a torneira,
ponho um copo, um corpo
Mas o segundo contorna o anteparo
e umedece a face.
Mais um segundo e seria imperador.

quantos segundos tivera Lênin?
Quantos ideais couberam num segundo?
Quanto sangue no ladrilho de Stalingrado?
Quantos passos em um segundo?
Quantos sentidos, amores, temores...
Neste segundo?
Em um segundo a chuva cai
(e é novamente estio)

Manoel Guedes de Almeida
Teresina- 20 de julho de 2012. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Charlie Brown e o existencialismo amoroso


"Mas por que será que é sempre assim? Quando a gente acha que está tudo bem, a vida dá um golpe na gente... acho que todos deviam usar capacete (...)"

terça-feira, 17 de julho de 2012

Desenho, desejo

Desenho, desejo

quando eu era criança
costumava pintar castelos em toda folha em branco
lagos, árvores, praças
e lábios na medida dos meus

queria dois momentos na minha vida
um feito de luz
e outro feito de som

os amigos próximos, o futuro distante
e a voz da mãe ao meio dia. Os desafetos superáveis
ao final da tarde e as frustrações mais rápidas
que o movimento

o sentimento entre os quarks, a razão
na escrivaninha do meu quarto
e uma cama à beira mar

Mas veio a porra do desejo!

Prédios, sentidos que arranham os céus
Face, sorrisos de concreto armado, Lattes
E o coração ungido à aço
fundido fora do peito.

De tudo que fui, pegadas de fonemas...
Um pouco de mim ficou no pó do passo
Só resta a carcaça. O movimento
frenético da informação na fibra ótica
nem os olhos deixou. Nem a raça
que ergue o passo
apenas para equilibrar o peso da cabeça

Manoel Guedes de Almeida
Teresina, 17/07/12

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Cidadezinha qualquer



Cidadezinha qualquer

Todo mundo tinha uma arma na mão
E qualquer ação devia ser meticulosamente pensada, pesada, medida,
Calculada a distância de cada átomo

Havia pouca gente nas ruas, todos andavam de cabeças baixas
Desprovidos de crença ou qualquer sentimento verdadeiro
E era impossível sorrir

Não havia filas, brigas, congestionamentos,
E só se morria de catástrofe e lassidão
  
Certo dia, alguma coisa mudara.
Não havia barulho nas ruas
E o cheiro de piche havia sumido

Os jornais não anunciaram notícia,
Todos os canais estavam fora do ar

Às 23h, todos de pena na mão,
Reclusos.
Pela manhã,
Cordas, balas, pulsos sem pulso
E corpos boiando no ar.  

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-12/07/12. 

Vozes da in(equidade)


Vozes da in(equidade)

De repente, todo mundo tinha voz.
O negro velho tinha voz. Voz rouca, cheia de calos
E repleta de certezas intangíveis, mas era deveras uma voz.

A mulher também falou. Sim, palavra! Primeiro uma, tímida
Imprimindo pegadas fonéticas no quente asfalto
Depois outra, mais concreta, como alguma coisa humana
O mundo inteiro eram palavras, histórias, momentos

Falaram gays, velhos...
crianças nasciam perguntando sobre a bolsa de valores
e discutindo o sentido da vida e o direito à morte  
até o tato se dissolvia em som
E o som atravessava os bairros, as cidades, os continentes
Atravessava os corpos como facada

O homem também falou, queixando-se da qualidade de vida
E das condições de trabalho
Falou o proprietário, o proletário
O homem montou sindicato da palavra falada

Pessoas falavam nas praças, nas ruas, jardins...
As escolas, escritórios, academias estavam todas vazias.
Os homens queriam falar
E já havia muitas vozes no mundo

Fora criado o Estatuto Mundial da Palavra Falada em versos alexandrinos
Para organizar a voz dos povos. Mas já era impossível calá-los
Houve conflito pela posse do fonema
Patentes foram criadas. A voz estava afiada como navalha.

Milícias saíram às ruas com microfones à mão.
A polícia recitava Camões a toda voz.
Palavras cortavam os céus como pedra e aço.
Sem mais palavras, a política de juntou aos povos

O governo congelou salários. Os bancos, sussurrando,
Capturaram todas as rimas ricas do mundo e oficializou golpe de Estado

Os manifestantes foram reprimidos com tiros de dicionário
Dante erguia barricadas, Proust cavava trincheiras
E a voz tinha cor e gosto
E pintava a todos de verde e azul
Já era impossível distinguir os rostos
E o gosto era amargo como sangue


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – 12/07/12.


sábado, 30 de junho de 2012

Amor


Amor  

Então era isso, só uma palavra?
Depois de tudo isso, só uma palavra nuda?
Uma palavra sem espinhos? Assim,
Desenho de tinta sobre o papel?

Meus olhos passam.
Minhas mãos deslizam sobre o papel, traçam seu contorno no espaço,
Sentem sua aspereza no tato. Quantas histórias, esse papel jornal...
Suspiro. Sinapses.
Mas o papel não me diz nada.

Procuro em volta.
Não há quem fez papel
Não há quem fez a tinta
Não há quem fez as letras

Um furo na parede
De onde pendera um quadro
Uma estante sem livros
Uma cama sem corpo
Pó.

O espaço não diz nada.
Só me resta a palavra, ali.

Tento desvendar o átomo da palavra
Letras, fonemas, afixos.
Reviro os dicionários de todas as línguas
Consulto especialistas de todas as nações  
Amigos, vizinhos, amantes...
Rabisco palavra
em toda folha em branco, em todo canto de concreto
Criptografo palavra e envio ao espaço sideral 
Ninguém conhece palavra falada ou escrita

Prego palavra em postes
Os homens colocam palavra em bandeiras
Pintam palavra na testa
Fazem pós – doutorado em palavra
Palavra batiza ruas, creches, corpos
Fazem poemas sobre palavra

Tento pronunciar a palavra
A boca teme. Treme. Treme.
Grunido.
É só uma palavra. E eu sou um homem.
E o quê pode a palavra ante o homem?


 Manoel Guedes de Almeida
Floriano-PI, 30/06/12

Le poids de la poussière


Foto: Manoel Guedes de Almeida 
Praia de Santos, canal 5, 2008. 

Le poids de la poussière 
(O peso do pó) 

A boca tinha poucas palavras e muitas dúvidas
E uma umidade fria que escorria dos olhos
Os pés, justapostos, esperavam o ato
E tremiam ante a aproximação
A mão esquerda também tremia, espalmada sob o epitélio
Do peito inquieto

A poeira do criado mudo, as folhas rabiscadas,
A parede ao final do corredor
Espiavam desconcertados. O quê seria aquilo?
Alguma memória?
Outra conjectura?

Vagarosamente, o pé repousa sobre o espinho. Um passo.
O chão liso do assoalho não entende a pressão imposta
E cada molécula de ar da sala sente a presença do medo
O pé deixa uma pegada. É medo.
Um cheiro tremido e cinza unta a pele e seus pelos.

A boca diz uma palavra, mas apenas a poeira escuta.
O pé ensaia um passo. O mundo dá duas voltas.
O espinho crava. Dois rios?

As unhas ruídas não entendem. O Sol se esqueceu de nascer.
As mãos, as duas, se emocionam. Leves.
Leve.

A respiração é rápida e breve.
Um adeus mudo, cego, surdo. 


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – 30/06/12

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quíron, o curador ferido


Quíron, o curador ferido

Custa a crer nesta tua concretude
Que exista alguma outra forma. Algum outro tamanho
Que somente o amor cure. Que reformulem as mãos, o contorno, a fôrma.

Metade humana. Fera bruta a flauta flui, ferida a divindade
Sob o veneno da alma há dor.
És sobre-humano. Capaz de sentir.
Medir, pesar. Sentir. Desenhar os contornos da dor e sentir.
A ferida que não quer sarar. A alma. Acesa.

Calma, inda existe solidão em algum lugar da Terra.
Renda-se. Queres morrer?
Não podes.
Queres viver? Encimentar cada célula do seu corpo?
Não podes.

Devias ter perdido o lado humano. Entender a dor
É vivê-la.

Manoel Guedes de Almeida
Teresina, 18/06/12




Dizem que devemos praticar cuidado ao invés de assistência. Como "cuidar"? Como uma mãe cuida de um filho? Como alguém que ama? Dizem (alguns) que a prática do cuidado parte da criação de alguma coisa ou ferramenta que una as pessoas, que crie vínculo. Outros, mais quironianos, acreditam que parta do conhecimento de si, suas fraquezas, medos, anseios.. e ver o quanto isso é subjetivado no desenho de seu corpo no espaço, de seu corpo concreto, de carne e osso. E entender que o Outro também se constrói assim. Então é isso: cuidar parte de entender e aplicar nas relações humanas uma construção simbólica em contraposição à construção cartesiana do corpo e aceitar como legítimas outras formas de viver diferentes da sua, entendendo, assim como Quíron, nossas feridas, nossas fraquezas e forças. Mas e se morrermos também? Somos assim tão vulneráveis? Nos permitiremos sentir? 





terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Maná em Saint-Rémy


No presente.
O agora atormenta
Como hastes fixadas aos pés
Como pregos sob os meus passos
E não quero seguir. E não posso.

Nem máquina do tempo. Que nem máquina de lavar.
Essas manchas secas de sangue e batom...
Que me atirem ao mar. Que sou de aço.
Talvez lá alguma sensatez.

E atravesso cada porta que acho.
Outra dimensão, outro sentimento talvez.
Mas o contorno continua o mesmo, de tinta.
E o cálice ainda é concreto. Imperativo.
E o concreto não gera flores ou filhos.

Que decepem as pernas e os girassóis.
Que não preciso deles no fundo do mar
Quando há um mundo sem alvorecer
E este corpo não me cabe mais.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 10/01/12

Caixinha de abelhas vermelhas


Sim, moça, dizes,
- meu coração é pedra.
               [das pedras que se pinta o Sol
Que queimam os pés
Das pedras que se atiram aos corpos
Que se atiram ao mar

Daí veio você, moça,
- como um trem sem rodas rumo ao Sol

Então, moça,
Desfiz-me em dois mil pedaços
Sob os seus passos
Depois em pó.

Então, moça, com as suas mãos
Semeaste- me no vento.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 08/01/12

domingo, 8 de janeiro de 2012

Caixinha de abelhas vermelhas



Sim, moça, dizes,
- meu coração é pedra.
               [das pedras que se pinta o Sol
Que queimam os pés
Das pedras que se atiram aos corpos
Que se atiram ao mar

Daí veio você, moça,
- como um trem sem rodas rumo ao Sol

Então, moça,
Desfiz-me em dois mil pedaços
Sob os seus passos
Depois em pó.

Então, moça, com as suas mãos
Semeaste- me no vento.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 08/01/12

Sentimental



Primeiro que essa educação para a vida deve ser construída. Trata-se de um conjunto intersubjetivo mais ou menos coeso entre as mentes de cada cidadão que comunga um mesmo roll de verdades. E que verdades temos hoje? Que verdades queremos? São essas verdades compartilhadas em determinados grupos sócio-culturais que convergem para um estado maior de bem ou mal - estar coletivo. Não há para onde fugir: só agimos conforme o que acreditamos e sentimos. E no que acreditamos (coletivamente, digo)? Em tudo. E o que sentimos? Nada. A crença, nesses últimos árduos anos, tem sofrido um processo ativo de dessensibilização. Nada, digo, absolutamente nada nos emociona mais, e quando o faz, essa emoção não nos pinta a cara de verde, não nos fecha as mãos ou move os pés. As bandeiras estão todas a meio mastro. De cabeça baixa dizem em coro coletivo: "sim, estamos vencidos". E, derrotados, com a honra que resta, em zarei, damos o pescoço ao desfecho final. Como andar se não há destino? Andar pelo passo, pela pegada?


Manoel Guedes de Almeida
01/01/2012