Vozes da
in(equidade)
De repente, todo mundo tinha voz.
O negro velho tinha voz. Voz rouca, cheia de calos
E repleta de certezas intangíveis, mas era deveras uma
voz.
A mulher também falou. Sim, palavra! Primeiro uma, tímida
Imprimindo pegadas fonéticas no quente asfalto
Depois outra, mais concreta, como alguma coisa humana
O mundo inteiro eram palavras, histórias, momentos
Falaram gays, velhos...
crianças nasciam perguntando sobre a bolsa de valores
e discutindo o sentido da vida e o direito à morte
até o tato se dissolvia em som
E o som atravessava os bairros, as cidades, os
continentes
Atravessava os corpos como facada
O homem também falou, queixando-se da qualidade de vida
E das condições de trabalho
Falou o proprietário, o proletário
O homem montou sindicato da palavra falada
Pessoas falavam nas praças, nas ruas, jardins...
As escolas, escritórios, academias estavam todas vazias.
Os homens queriam falar
E já havia muitas vozes no mundo
Fora criado o Estatuto Mundial da Palavra Falada em
versos alexandrinos
Para organizar a voz dos povos. Mas já era impossível
calá-los
Houve conflito pela posse do fonema
Patentes foram criadas. A voz estava afiada como navalha.
Milícias saíram às ruas com microfones à mão.
A polícia recitava Camões a toda voz.
Palavras cortavam os céus como pedra e aço.
Sem mais palavras, a política de juntou aos povos
O governo congelou salários. Os bancos, sussurrando,
Capturaram todas as rimas ricas do mundo e oficializou golpe
de Estado
Os manifestantes foram reprimidos com tiros de dicionário
Dante erguia barricadas, Proust cavava trincheiras
E a voz tinha cor e gosto
E pintava a todos de verde e azul
Já era impossível distinguir os rostos
E o gosto era amargo como sangue
Manoel Guedes de
Almeida
Teresina – 12/07/12.