quinta-feira, 12 de julho de 2012

Cidadezinha qualquer



Cidadezinha qualquer

Todo mundo tinha uma arma na mão
E qualquer ação devia ser meticulosamente pensada, pesada, medida,
Calculada a distância de cada átomo

Havia pouca gente nas ruas, todos andavam de cabeças baixas
Desprovidos de crença ou qualquer sentimento verdadeiro
E era impossível sorrir

Não havia filas, brigas, congestionamentos,
E só se morria de catástrofe e lassidão
  
Certo dia, alguma coisa mudara.
Não havia barulho nas ruas
E o cheiro de piche havia sumido

Os jornais não anunciaram notícia,
Todos os canais estavam fora do ar

Às 23h, todos de pena na mão,
Reclusos.
Pela manhã,
Cordas, balas, pulsos sem pulso
E corpos boiando no ar.  

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-12/07/12. 

Vozes da in(equidade)


Vozes da in(equidade)

De repente, todo mundo tinha voz.
O negro velho tinha voz. Voz rouca, cheia de calos
E repleta de certezas intangíveis, mas era deveras uma voz.

A mulher também falou. Sim, palavra! Primeiro uma, tímida
Imprimindo pegadas fonéticas no quente asfalto
Depois outra, mais concreta, como alguma coisa humana
O mundo inteiro eram palavras, histórias, momentos

Falaram gays, velhos...
crianças nasciam perguntando sobre a bolsa de valores
e discutindo o sentido da vida e o direito à morte  
até o tato se dissolvia em som
E o som atravessava os bairros, as cidades, os continentes
Atravessava os corpos como facada

O homem também falou, queixando-se da qualidade de vida
E das condições de trabalho
Falou o proprietário, o proletário
O homem montou sindicato da palavra falada

Pessoas falavam nas praças, nas ruas, jardins...
As escolas, escritórios, academias estavam todas vazias.
Os homens queriam falar
E já havia muitas vozes no mundo

Fora criado o Estatuto Mundial da Palavra Falada em versos alexandrinos
Para organizar a voz dos povos. Mas já era impossível calá-los
Houve conflito pela posse do fonema
Patentes foram criadas. A voz estava afiada como navalha.

Milícias saíram às ruas com microfones à mão.
A polícia recitava Camões a toda voz.
Palavras cortavam os céus como pedra e aço.
Sem mais palavras, a política de juntou aos povos

O governo congelou salários. Os bancos, sussurrando,
Capturaram todas as rimas ricas do mundo e oficializou golpe de Estado

Os manifestantes foram reprimidos com tiros de dicionário
Dante erguia barricadas, Proust cavava trincheiras
E a voz tinha cor e gosto
E pintava a todos de verde e azul
Já era impossível distinguir os rostos
E o gosto era amargo como sangue


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – 12/07/12.