sexta-feira, 20 de julho de 2012

Um pequeno relógio francês


Queria apenas um segundo
Que a carne e o concreto
fossem formas de frações de segundo aglutinadas.
E os segundos iriam ao Plenário
Preveriam o tempo, apresentariam o Jornal Nacional,
levariam as crianças às escolas,
antecipariam as estações do ano 
e ganhariam Nobeis

Desenho um segundo em minha mão
e imagino quantos bilhões de coisas cabem
neste segundo
neste único dígito
que borra minhas digitais
impressas como pegadas
nas moléculas de ar

fraciono este segundo. Regro a gota do tempo.
pressiono o dedo contra a torneira,
ponho um copo, um corpo
Mas o segundo contorna o anteparo
e umedece a face.
Mais um segundo e seria imperador.

quantos segundos tivera Lênin?
Quantos ideais couberam num segundo?
Quanto sangue no ladrilho de Stalingrado?
Quantos passos em um segundo?
Quantos sentidos, amores, temores...
Neste segundo?
Em um segundo a chuva cai
(e é novamente estio)

Manoel Guedes de Almeida
Teresina- 20 de julho de 2012. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Charlie Brown e o existencialismo amoroso


"Mas por que será que é sempre assim? Quando a gente acha que está tudo bem, a vida dá um golpe na gente... acho que todos deviam usar capacete (...)"

terça-feira, 17 de julho de 2012

Desenho, desejo

Desenho, desejo

quando eu era criança
costumava pintar castelos em toda folha em branco
lagos, árvores, praças
e lábios na medida dos meus

queria dois momentos na minha vida
um feito de luz
e outro feito de som

os amigos próximos, o futuro distante
e a voz da mãe ao meio dia. Os desafetos superáveis
ao final da tarde e as frustrações mais rápidas
que o movimento

o sentimento entre os quarks, a razão
na escrivaninha do meu quarto
e uma cama à beira mar

Mas veio a porra do desejo!

Prédios, sentidos que arranham os céus
Face, sorrisos de concreto armado, Lattes
E o coração ungido à aço
fundido fora do peito.

De tudo que fui, pegadas de fonemas...
Um pouco de mim ficou no pó do passo
Só resta a carcaça. O movimento
frenético da informação na fibra ótica
nem os olhos deixou. Nem a raça
que ergue o passo
apenas para equilibrar o peso da cabeça

Manoel Guedes de Almeida
Teresina, 17/07/12

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Cidadezinha qualquer



Cidadezinha qualquer

Todo mundo tinha uma arma na mão
E qualquer ação devia ser meticulosamente pensada, pesada, medida,
Calculada a distância de cada átomo

Havia pouca gente nas ruas, todos andavam de cabeças baixas
Desprovidos de crença ou qualquer sentimento verdadeiro
E era impossível sorrir

Não havia filas, brigas, congestionamentos,
E só se morria de catástrofe e lassidão
  
Certo dia, alguma coisa mudara.
Não havia barulho nas ruas
E o cheiro de piche havia sumido

Os jornais não anunciaram notícia,
Todos os canais estavam fora do ar

Às 23h, todos de pena na mão,
Reclusos.
Pela manhã,
Cordas, balas, pulsos sem pulso
E corpos boiando no ar.  

Manoel Guedes de Almeida
Teresina-12/07/12. 

Vozes da in(equidade)


Vozes da in(equidade)

De repente, todo mundo tinha voz.
O negro velho tinha voz. Voz rouca, cheia de calos
E repleta de certezas intangíveis, mas era deveras uma voz.

A mulher também falou. Sim, palavra! Primeiro uma, tímida
Imprimindo pegadas fonéticas no quente asfalto
Depois outra, mais concreta, como alguma coisa humana
O mundo inteiro eram palavras, histórias, momentos

Falaram gays, velhos...
crianças nasciam perguntando sobre a bolsa de valores
e discutindo o sentido da vida e o direito à morte  
até o tato se dissolvia em som
E o som atravessava os bairros, as cidades, os continentes
Atravessava os corpos como facada

O homem também falou, queixando-se da qualidade de vida
E das condições de trabalho
Falou o proprietário, o proletário
O homem montou sindicato da palavra falada

Pessoas falavam nas praças, nas ruas, jardins...
As escolas, escritórios, academias estavam todas vazias.
Os homens queriam falar
E já havia muitas vozes no mundo

Fora criado o Estatuto Mundial da Palavra Falada em versos alexandrinos
Para organizar a voz dos povos. Mas já era impossível calá-los
Houve conflito pela posse do fonema
Patentes foram criadas. A voz estava afiada como navalha.

Milícias saíram às ruas com microfones à mão.
A polícia recitava Camões a toda voz.
Palavras cortavam os céus como pedra e aço.
Sem mais palavras, a política de juntou aos povos

O governo congelou salários. Os bancos, sussurrando,
Capturaram todas as rimas ricas do mundo e oficializou golpe de Estado

Os manifestantes foram reprimidos com tiros de dicionário
Dante erguia barricadas, Proust cavava trincheiras
E a voz tinha cor e gosto
E pintava a todos de verde e azul
Já era impossível distinguir os rostos
E o gosto era amargo como sangue


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – 12/07/12.