quarta-feira, 17 de junho de 2009

Metonímia

Metonímia

Ratos, cobras, cabras
Deserto
[certo
De que nada no mundo é humano.
Assalto.
AI5

Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, sexta-feira, 15 de maio de 2009.

O altar e a fábrica





O altar e a fábrica


Não, tuas rosas não me bastam mais.

Depois de fragmentado o cálice do mundo

Desfizera-se todo o amor, pois pra qualquer amor

Não há mais espaço no mundo


Cala-te! A vida não é digna de palavras!

Nossos filhos choram, eu os ouço.

Nosso amor está findado, eu sei.


Transbordado de amor e desnutrido

Vejo que tudo é muito pouco para poucos

E tão sonho para os que sonham uma vida

na falta de algo real na qual se apoiar


Vede: Deus está como nós, faminto.

O céu está seco como este solo onde plantas, e nada brota.

Seus olhos estão como os nossos, sedentos por qualquer frescor.


Vede: Deus ajoelhado pede esmolas ante as fábricas

Roga aos céus tão cinéreos alento qualquer

E tenta adentrar no Reino dos Céus, mas custa caro,

E nada tem.


Deita como nós, só. A noite é toda silêncio e espreita.

Os medos são muitos, a fome também.

E chora sem que nenhuma lágrima dissolva

A sujeira podre dessa vida.


Manoel Guedes de Almeida

Teresina – PI, terça-feira, 16 de junho de 2009.


Trier


Trier

A paixão se mostrou inútil.
Ouçam, camaradas, os gritos não os assustam mais.

A mesa cheia de livros. Os corpos sujos. As caras todas pintadas
A árvore repleta de esperanças.
Mas no mundo há poucas árvores e muitos homens.
As esperanças se mostraram sonhos de uma vida impossível

Os postes não iluminam mais
As ruas não nos guiam os pés...

Aquele garoto de cabelo partido,
de coração partido, de espírito metade,
queria mudar o mundo,
mas o mundo mostrou-se muito e suas mãos tão poucas
também lhe foram inúteis

No fim das contas, o amor se mostrou inútil.
Hoje, somos todos razão
Vivemos o tempo da razão, essa roda louca a girar sem saber.
Tempo de sorrisos falsos e estáticos
De amores fúteis e frases binárias. Tempo de homens sós e multidão
- linhas de produção humana

Mas aquele garoto criava formigas e sonhava ser médico!
Gostava de TV e Monte Cristo e Beija-flor
Rabiscava papéis, mas os papéis se foram
Brincava na rua, mas a rua é trincheira
Rezava antes que o sonho chegasse, mas o sonho não veio
Decidiu não dormir nunca mais. Clamou por Deus,
mas Deus não chegou.

As ações. Os protestos foram tolo ensejo.
Não podemos com o mundo sozinhos,
E estamos sozinhos – eu e você
Cada qual com seu corpo vazio, neste bar
Vazio. A vida ainda é ilusão e bandeiras vermelhas
E as ilusões nos tornaram inúteis.
As bandeiras são apenas teatro.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, quarta-feira, 17 de junho de 2009.

Ephemera


Ephemera

amar o instante deixa delirante este coração
amar o que o vento traz
o que nas noites frias é brisa
o que por traz da face é medo
o que por sob o medo é Amor

amar o inconstante, a topada, o findável
o papel que se amassa, o poema que se esquece
o anúncio que se vai na rua descalçada, o arbusto
que cresce dentre o concreto na calçada

amar a chuva, o grito sem explicação
o rosto sem gestos, o beijo sem gosto
as mãos sem tato
o tato sem pudor

amar as rosas e a falta mesmo de rosas
o todo e a mais ínfima parte
amar o grão, a poeira sobre a mesa,
o invisível, o silêncio musical
o beijo inesperado, o abraço apertado, o surto ao meio dia
- o imóvel.
As baratas voadoras.


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, sexta-feira, 05 de junho de 2009.

Mistificação

Mistificação

A Katarine Soares Gomes

Coisa tão sem sentido a amizade

Chega. Senta-se cá ao meu lado. Sorri sem sentido.

Como são leves tuas mãos. Bailam em silêncio

Numa inquietação típica de corpos repletos de esperança


Olhe-me os olhos e não pronuncie qualquer palavra

de inquietação ou suspiro incontido de vida.

As palavras são muitas e tu bem sabes,

Elas sufocam o mundo


Mas a mão do mundo pesa e as mãos do homem fazem estradas

E as estradas são longas e muitas que não esta

Repousa sob o cacto, amiga, o Sol é quente

E não posso apagar o Sol


Pegue o violão, andarilha. Toque rumo ao destino dos outros

A vocação dos outros, a vida dos outros...

Fecha os olhos e vê tua casa habitada por outros,

Tuas vestes com outro cheiro

Tua vida por um ser que não o teu habitada – quem és, ?!


O caminho é longo, eu sei

E infinito sob a face dourada do horizonte

Mas há casas, eu garanto. Pare e descanse!

Há árvores e montanhas, e são maiores

que todas as esperanças do mundo

Há curvas... e objetivos em cada orvalho

que te toque o rosto.

O horizonte é tênue

Mas apenas porque longe vive.


Dê-me logo a mão, amiga, as coisas são complicadas

eu bem entendo, e os desafios são muitos e as coisas também

E adormecemos no colo do medo há muito – nele fomos adestrados

E crescemos trêmulos e adentramos o mundo meio sem saber.

Mas tem certas coisas que não precisas suportar sozinha.



Manoel Guedes de Almeida

Teresina – PI, terça-feira, 16 de julho de 2009.


sábado, 13 de junho de 2009

O vaso de flores vazio





O vaso de flores vazio

Provinciano da Rua das Flores
Incapaz de aprender a forma certa de amar
Homem comum, de barba e óculos
E vida cheia de falsos princípios
Floricultor que à mingua da sorte
própria dos seres sós
tenta pintar com as mãos o mundo inteiro
No verso turvo de uma minúscula rosa

Poeta vazio, que esquecera onde pusera a pena
Amante vazio, que perdera a aliança do mundo
Copo vazio, sem alma alguma que refaça o gole
Arqueja sobre o solo úmido, repousa o manto
E chora o peito – faciíate necrosante

E a música e o cheiro e o tato... Vede: é outono!
as flores pairam sobre a fronte
pateticamente pálida do artista
transbordado de ausência como um Deus dilacerado
e a lembrança do tempo onde a vida era digna
de ser vivida repousa sobre o chão repleto
de sonhos bons e meros
por serem todos mortais

Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, sexta-feira, 12 de junho de 2009.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Última ceia/O Paraíso niilista





A Última ceia/O Paraíso niilista

Meu filho, por que me temes?!
se sou carne e corpo e sangue e fogo como tu bem és
se tenho rugas e dor e desejos e fome como tu bem tens?!

Venha, dê-me um abraço!
Puxa a cadeira, senta-te (sinta-se)!
O jantar está na mesa. É aurora, eu entendo,
Mas ninguém suporta o mundo inteiro


desnutrido de esperanças

Está nervoso?! Não fiques não, meu filho,
Tu ainda não pereceste ante o próprio vão...
Estamos apenas conversando,
Tu e teu lago – nimbo,
Então, te indago, o que vês?

Não quero que creias em minha concretice
Sou lagartixa preta, pombo, formiga, vento, multidão.
Muito menos que ergas altar ao que pouco entendes
[entenda-me então, quero que entenda



Não alimentes o fogo com a cera de tua meninice
Os ventos são fortes, meu filho, e têm a triste sina
de nos deixar largados ao chão, e temes o chão
como a teu próprio Pai, mas sou apenas grão.

Não me procures nas fotos desbotadas de tua psiquê
Nem me revires nos tijolos de tua ciência
Enquanto ergues templos grades e jaulas [de ouro ou de barro]
- e unge - eu os desfaço

Sente-se (?) logo, meu menino,
Minhas mãos jazem incapazes ante o peso de teu Livro,
e teu filho espera e vê


o lago é grande e calmo e tênue. Lá,

construa um castelo, e o destrua
construa uma casa, e a destrua
uma vida inteira, e a destrua... todos os livros...

Então, nu,
Encontre a formiga sob a lâmina calma repousada
De tuas mais íntimas esperanças.



Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, quarta-feira, 03 de junho de 2009.


Epitálamo




Epitálamo

Por que, meu senhor, queres que eu me cale?!
Se paras, não paro, não te suporto assim
e, cardinal, não me calo

Quando ficas assim, tristonho
E tentas entender o por quê
Das coisas todas deste mundo..., olha,

Não chores não..., não assim, calado,
Impotente ante as trevas do passado
Nem penses que o amor é vão

O amor não é vão!
O vão das coisas é apenas ausência
[ausentemos-nos, então!

Cá, por um instante apenas me calo.
Não abalo mais a porta da tua ciência
Nem mais espreito a fechadura do teu ser – seja
Ou escondo-me tal qual criança tonta
Sob o véu do inexistente
[existamos?!

Pois se este peito pulsa, tu bem o sentes.

Trava os lábios, emudece...
Tremula e beija.



Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 20 de maio de 2009.