Ratos, cobras, cabras
Deserto
[certo
De que nada no mundo é humano.
Assalto.
AI5
Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, sexta-feira, 15 de maio de 2009.
O altar e a fábrica
Não, tuas rosas não me bastam mais.
Depois de fragmentado o cálice do mundo
Desfizera-se todo o amor, pois pra qualquer amor
Não há mais espaço no mundo
Cala-te! A vida não é digna de palavras!
Nossos filhos choram, eu os ouço.
Nosso amor está findado, eu sei.
Transbordado de amor e desnutrido
Vejo que tudo é muito pouco para poucos
E tão sonho para os que sonham uma vida
na falta de algo real na qual se apoiar
Vede: Deus está como nós, faminto.
O céu está seco como este solo onde plantas, e nada brota.
Seus olhos estão como os nossos, sedentos por qualquer frescor.
Vede: Deus ajoelhado pede esmolas ante as fábricas
Roga aos céus tão cinéreos alento qualquer
E tenta adentrar no Reino dos Céus, mas custa caro,
E nada tem.
Deita como nós, só. A noite é toda silêncio e espreita.
Os medos são muitos, a fome também.
E chora sem que nenhuma lágrima dissolva
A sujeira podre dessa vida.
Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, terça-feira, 16 de junho de 2009.
Mistificação
A Katarine Soares Gomes
Coisa tão sem sentido a amizade
Chega. Senta-se cá ao meu lado. Sorri sem sentido.
Como são leves tuas mãos. Bailam em silêncio
Numa inquietação típica de corpos repletos de esperança
Olhe-me os olhos e não pronuncie qualquer palavra
de inquietação ou suspiro incontido de vida.
As palavras são muitas e tu bem sabes,
Elas sufocam o mundo
Mas a mão do mundo pesa e as mãos do homem fazem estradas
E as estradas são longas e muitas que não esta
Repousa sob o cacto, amiga, o Sol é quente
E não posso apagar o Sol
Pegue o violão, andarilha. Toque rumo ao destino dos outros
A vocação dos outros, a vida dos outros...
Fecha os olhos e vê tua casa habitada por outros,
Tuas vestes com outro cheiro
Tua vida por um ser que não o teu habitada – quem és, ?!
O caminho é longo, eu sei
E infinito sob a face dourada do horizonte
Mas há casas, eu garanto. Pare e descanse!
Há árvores e montanhas, e são maiores
que todas as esperanças do mundo
Há curvas... e objetivos em cada orvalho
que te toque o rosto.
O horizonte é tênue
Mas apenas porque longe vive.
Dê-me logo a mão, amiga, as coisas são complicadas
eu bem entendo, e os desafios são muitos e as coisas também
E adormecemos no colo do medo há muito – nele fomos adestrados
E crescemos trêmulos e adentramos o mundo meio sem saber.
Mas tem certas coisas que não precisas suportar sozinha.
Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, terça-feira, 16 de julho de 2009.
A Última ceia/O Paraíso niilista
Meu filho, por que me temes?!
se sou carne e corpo e sangue e fogo como tu bem és
se tenho rugas e dor e desejos e fome como tu bem tens?!
Venha, dê-me um abraço!
Puxa a cadeira, senta-te (sinta-se)!
O jantar está na mesa. É aurora, eu entendo,
Mas ninguém suporta o mundo inteiro
desnutrido de esperanças
Está nervoso?! Não fiques não, meu filho,
Tu ainda não pereceste ante o próprio vão...
Estamos apenas conversando,
Tu e teu lago – nimbo,
Então, te indago, o que vês?
Não quero que creias em minha concretice
Sou lagartixa preta, pombo, formiga, vento, multidão.
Muito menos que ergas altar ao que pouco entendes
[entenda-me então, quero que entenda
Não alimentes o fogo com a cera de tua meninice
Os ventos são fortes, meu filho, e têm a triste sina
de nos deixar largados ao chão, e temes o chão
como a teu próprio Pai, mas sou apenas grão.
Não me procures nas fotos desbotadas de tua psiquê
Nem me revires nos tijolos de tua ciência
Enquanto ergues templos grades e jaulas [de ouro ou de barro]
- e unge - eu os desfaço
Sente-se (?) logo, meu menino,
Minhas mãos jazem incapazes ante o peso de teu Livro,
e teu filho espera e vê
o lago é grande e calmo e tênue. Lá,
construa um castelo, e o destrua
construa uma casa, e a destrua
uma vida inteira, e a destrua... todos os livros...
Então, nu,
Encontre a formiga sob a lâmina calma repousada
De tuas mais íntimas esperanças.
Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, quarta-feira, 03 de junho de 2009.
Epitálamo
Por que, meu senhor, queres que eu me cale?!
Se paras, não paro, não te suporto assim
e, cardinal, não me calo
Quando ficas assim, tristonho
E tentas entender o por quê
Das coisas todas deste mundo..., olha,
Não chores não..., não assim, calado,
Impotente ante as trevas do passado
Nem penses que o amor é vão
O amor não é vão!
O vão das coisas é apenas ausência
[ausentemos-nos, então!
Cá, por um instante apenas me calo.
Não abalo mais a porta da tua ciência
Nem mais espreito a fechadura do teu ser – seja
Ou escondo-me tal qual criança tonta
Sob o véu do inexistente
[existamos?!
Pois se este peito pulsa, tu bem o sentes.
Trava os lábios, emudece...
Tremula e beija.
Manoel Guedes de Almeida
Teresina - PI, 20 de maio de 2009.