domingo, 20 de dezembro de 2009


A porta semi-aberta

Quando penso na morte
Penso numa criança de olhos profundos
Olhos de cientista velho, bem velho,
Como se seus olhos tivessem vindo primeiro
Como se seus olhos compreendessem o mundo

Criança que senta ao meu lado
E come algodão-doce
Que rola na lama comigo
Que toca a campainha e corre
Criança que sorri, feliz,
Verdadeiramente feliz.

E a porta entreaberta e a música.
E o cachorro que late inquieto.

As luzes que vejo ao longe
Tornam-se mais que humanas
Neon supra-santificado, apocalíptico
Poesia que se desfaz nas águas turvas
- imagem que se esvai

E a quero bem, como a um pai
E me chama filho.

Manoel Guedes de Almeida
Campina Grande – PB, 19 de dezembro de 2009.
O protesto

Flor, dizeis Flor!
Mas sois fezes e pés desnudos
Nestes becos mudos entre o vão
De nossos nomes

Isto, e a flor que dizeis
Nasce ansiolítica, prostrada
Prostituta anciã desdentada
Ideologia hasteada em crucifixo
Bandeira que não balança mais
- a vida é isto, a poesia é isto.

Bandeira cara-de-piano (Ah! Sortilégios!)
Flor e náusea e armas

A náusea mineral que me carbonifica
A acre náusea mineral que me engasga
Pontiaguda náusea estalactite de uma puta
- e o vômito

A náusea mineral que tinge jornais
De fezes e sangue.


Manoel Guedes de Almeida
Campina Grande –PB, 19 de dezembro de 2009.