sábado, 24 de outubro de 2009

As Mãos que sustentaram o mundo


As Mãos que sustentaram o mundo

As Mãos que outrora ergueram o mundo
Já tremem exaustas e vestem luvas
Temem contaminarem-se com os vermes do conhecimento
Tão letais para o que é Saber

As Mãos que outrora ergueram o mundo
Dizem Adeus em silêncio.
Não ousam proferir qualquer palavra
Pois tantas já foram ditas escritas e esquecidas
Nas páginas de livros que seria tolice desperdiçar
Seus últimos dias em vão

As Mãos, aquelas Mãos sem idade,
Agora suam, tremem, e sentem frio
Há rugas sob a pele necrosada e pus que escorre
Em finos fios

Aquelas Mãos velhas que um dia sustentaram a vida
Agora são desnecessárias
Dizem o outdoor e o neon nas avenidas
Há máquinas sustentando máquinas
Chips gerando vida in vitro
E o que fora paterno toque passional
Agora é garra fria de metal INOX

Aquelas Mãos austeras não compreendiam
O Autismo do mundo que criara, mundo que criara o Mundo
Repleto de monstros e fadas, todos asfixiados
- as nuvens são de poluição


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 08 de dezembro de 2007.

Valhacouto



Valhacouto

Meu mundo não são cidades
Como as cidades que brotam destes campos secos
Onde a chuva evapora antes de tocar o chão.

Meu mundo não é de terra rachada ou batida
Não é físico, palpável ou visível
Nem se restringe a essa noção linear
De tempo, espaço e nação.

Meu mundo não é branco, preto ou pardo
Nem tem cheiro, gosto ou tato
Meu mundo não tem sentidos nem rosto
Nem lembranças que sufocam sorrisos,
Ou sorrisos que se desfazem
Perante o maior de todos os mistérios.

Meu Mundo não é mundo... nem é mudo... Encerra em si
A pronúncia de todos os versos transitivos diretos,
Pois é substrato onde o Todo Arquiteto
Equaciona seus maiores milagres.

Não me venhas com tua racionalidade,
Pois não me resta espaço algum a ela!
Sou papel em branco e sem bordas ou arestas
Onde brotam Árvores que não são como as tuas árvores
Sempre secas, sempre mortas,
Que se contorcem no árido da terra
E tentam fugir do inferno do céu

No meu Mundo as raízes são desnecessárias
E não há campos onde rumina o gado
Nem há casas de concreto
Como as tuas casas de concreto
Que sempre podem ruir

Meu Mundo são como as flores que nunca desabrocharam,
Não são como as tuas que já nascem violadas,
Guardam dentre suas pétalas o segredo de todas as coisas.

E minhas crianças também não são como as tuas...
Correm sobre estas superfícies brancas
E olham o céu repleto de vazio,
Que não é como teu céu - sempre cinéreo,
Tampouco como o teu vazio - eterna ausência de coisas,
E brincam sobre a relva molhada
Recém-criada por um Deus
Que também não é como o teu deus,
Que em meio à cintilosas catedrais,
Desiludido,
Se desfaz em chuva ácida.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI

Hypnos e o sagrado coração de Tykhe



Hypnos e o sagrado coração de Tykhe

E guardo-te cá comigo por todo sempre...
E quando ouvires uma música, aquela música, a nossa,
E embalares o corpo no vazio
Estarei lá sorrindo, prometo.
Em todo coração talhado em árvores, existirei.
Em todo beco escuro, protegerei.
Por-te-ei pra dormir e conversarei besteiras
Até que o sonho te leve. Depois, beijar-te-ei.
Não sentirás senão um arrepio leve.
Enxugarei tuas lágrimas sem que tu saibas.
Far-te-ei sorrir sem que percebas.
Sussurrarei idéias ao pé do ouvido
Quando as tuas idéias não se fizerem ouvir.
Olharei todo o teu caminho, até o fim,
E não deixarei pedras que te possam ferir,
Os obstáculos só são úteis quando se pode transpassá-los.
E quando a dor for tão intensa que quiseres fugir,
Repousarei minha mão sobre a tua,
Levar-te-ei o mais distante que eu te possa levar
De tu mesma - feche os olhos e deixe-se levar.
E toda escultura abstrata das nuvens
Será Deus
Trazendo-me de volta ao teu sorriso bobo
Alimentando-me em sonho e fé.
Daquele, sempre acordamos.
Daí a necessidade de dormirmos sempre.
Desta, tal como um padre sem pudor,
Escarro e piso,
Não suporto uma vida inteira
Sem o teu amor.

Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, sábado, 19 de julho de 2008.

Humanificaçao


Humanificaçao

Quero um amor sem metafísica.
Sem desespero. Sem pressa. Sem Ato. Sem medo.
Que reclame, chore. Que clame.
Que seja fiel ao mundo inteiro
- respirar exige grande responsabilidade

Quero amor em pêlos. Sentir o odor do amor
no véu dos teus cabelos. Teus lábios
A tocarem os lábios meus
- depois inda dormir tendo na boca o teu sabor

Que deitemos no chão da cozinha.
Que deitemos na Frei Serafim e contemos os buracos da Lua.
Que cantemos Goethe
E que a Lua seja apenas uma pedra bem grande a flutuar
num imenso pudim


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 23 de outubro de 2009.

Deuses e arco-íris


Deuses e arco-íris

Mamãe preparava feijão com arroz enquanto brincávamos
de fazer chuva e arco-íris no terraço, enquanto ensaiávamos nossos primeiros passos
rumo à imortalidade de quem não se importa

Papai trazia peixe ao final do dia
e o sorriso cansado de quem está diante da vida
e a vida se mostra grande e muito
[estávamos felizes sem compreender o que isso significava

Certa vez chegou mais cedo. Trouxera consigo um cacho de banana verde
que comprimíamos entre nossas coxas finas,
que jogávamos contra a parede

fez avião de talo de buriti. Fez hélice que girava ao sabor do vento.
E a meninada toda, de pés desnudos, de corpo desnudo,
corria na rua a tentar voar
- naquela época o céu parecia mais perto, parecia infinito

Mamãe preparava feijão com arroz – não desses que se come e caga.
Numa velha maquina de costura, tecia nossas roupas – não dessas que se suja e rasga.
Conseguira com muito custo uma tesoura – queria nos tornar humanos
Aprendera o oficio. Sob gritos de protesto
Cortava nossos cabelos ao final do dia

- e íamos todos jantar...


Manoel Guedes de Almeida
Teresina – PI, 24 de outubro de 2009.