quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sobre o destino


Sobre o destino


Desci do carro apressado. Ela estava lá, com aquele vestido verde feio e aquele olhar profundo. Olhou-me nos olhos e pareceu enxergar minha alma. Fiquei quieto. Calado.
Apoiou seu joelho na borda de concreto da ponte velha por sobre aquele rio, o nosso rio, e ergueu-se, fazendo-se mais próxima do céu.


Era época de seca e se via um fio triste e solitário de água turva a cortar a areia branca aquecida pelo Sol, como uma única veia ainda a ousar alimentar a terra. E o vento era quente e insuportável, e me ardia o corpo ao toque, e lhe balançava os cabelos soltos como se a no céu voar.
Não senti desespero nem medo. Não senti nada.


Encostei-me lentamente. Tentei falar, mas não me saiu sequer uma única palavra. Queria convencê-la a não pular, dizer que ela é a pessoa mais importante de minha vida e por quem eu largaria tudo. Mas não disse. Queria puxá-la à força dali e repousá-la nos meus braços. Seu ser herói, seu anjo protetor. Mas não o fiz. Fiquei estático.


Escorreu pela sua face pálida. Passou pelos seus lábios que tremulavam. Mas não havia medo na sua face. Esperou por algum tempo no seu queixo fino. Acumulou-se um pouco, e finalmente caiu ao chão como em câmera lenta, e senti-me mera ameba impotente, incapaz de impedir a lágrima de quem eu amo. Incapaz de dizer o que eu sinto.
Sentei-me então ao seu lado, pendendo os pés ao vão. Fechei os olhos e senti o vento. Não mais me abrasava o rosto. Ela sentou-se junto a mim e o silencio nos cercou por um tempo, afagou-nos o rosto, pegou-nos no colo e disse-nos estar tudo bem. Mais seguro, repousei minha mão sobre a dela. Senti aquela mão na minha e a aliança que há muito a dera.


Disse então, dentre soluços incontidos, que eu estaria com ela para todo sempre. Não tentei entendê-la nem mesmo impedi-la. Ela estava ali e eu também. E só. Ela disse que me amava, mas que seria necessário. Mas não era necessário explicar. Eu não queria explicação alguma.


Lembrei de nossas conversas malucas e pedidos de casamento inesperados. Lembrei-me naquele instante de toda a minha vida. Sonhei ali, novamente, todos os nossos sonhos passados. E chorei, mas as lágrimas sumiam antes que tocassem o chão. "Queria uma casa no lago", disse baixinho. Ela me disse "Também". "Queria um cachorro e filhos que brincassem com ele". Ela me disse "Também". Perguntei do futuro que construiríamos juntos. Ela me respondeu ser impossível, e me pediu perdão. Mas não havia crime algum a ser perdoado. Disse que a amava muito. Ela balançou a cabeça e disse "eu sei". E se calou.


Não ousei perguntar o motivo. Acho que não suportaria a resposta. Mas fiz promessas e eu sempre às cumpro.
Ergueu então a cabeça, de leve, e olhou-me nos olhos. Disse-me "te amo muito" e pediu para que eu nunca a esquecesse. E senti um aperto mais forte de sua mão na minha. Um adeus escondido no toque. Beijei-a o rosto e depois toquei seus lábios com os meus. Disse-a "nunca".


Pendeu seu corpo e largou-se ao ar. Eu fui junto.


Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, quarta-feira, 30 de julho de 2008.

Nenhum comentário: